A Importância de Ser Constante

Por Antônio Roberto Gerin

Oscar Wilde (1854-1900) marcou seu tempo não somente com sua literatura exuberante, mas também com suas críticas mordazes à sociedade vitoriana daquele final de século XIX, na Inglaterra. Sem contar, lógico, o fascínio que seu charme de intelectual incontrolável exercia pelos salões e teatros londrinos. Por onde passava, Oscar Wilde ia deixando um rastro de elegância extravagante e um senso de estética que se impunha como original e contestadora. Sua ode à beleza era sua arma artística. Uma de suas obras mais festejadas, A Importância de ser Constante, de 1894, com estreia em 14 de fevereiro de 1895, no Teatro St. James, acaba por representar o auge literário e social de Oscar Wilde. A partir daquela noite de estreia, de retumbante sucesso, inicia-se a sua triste e absurda queda. Era a mão pesada da moral vitoriana esmagando o homem Oscar, que, apesar da bravura com que lutou, não conseguiu vencer o ódio e o preconceito. Julgado por sodomia, vilipendiado na sua homossexualidade, após dois anos de prisão, foi viver e morrer em Paris, onde vestiria a máscara do pseudônimo como forma de sobreviver, no anonimato, com o pouco de dignidade que lhe restara.

Estamos, em A Importância de ser Constante, diante de uma obra peculiar, onde a inteligência viperina, aliada ora à ironia ora à farsa, determina o ponto de equilíbrio entre a lucidez de alguém que quer enxergar por trás das aparências e, ao mesmo tempo, revelar, sem meias medidas, a estatura anã de uma sociedade encharcada de hipocrisia e futilidades. Oscar Wilde não poupa ninguém. Muito menos suas personagens. Tritura-as no caldeirão das verdades escancaradas. Mas poupa-lhes uma coisa. O dissabor da derrota. Aliás, derrota, esta palavra amarga, era uma possibilidade que até então não passava pela cabeça do festejado dramaturgo irlandês.

Jack é o nome do protagonista. Vive no campo, cuidando da sua protegida Cecília, uma bela e fútil jovem que retrata o cotidiano que gira em torno de entediantes roldanas sociais. Mas Jack não se satisfaz com esta vidinha de fingimentos bucólicos. Ele quer mandar as convenções às favas, ele quer se contrapor ao sistema, ele quer vida própria. Para tanto, de tempos em tempos, vai à Londres, com o pretexto de tomar conta de seu irmão Constante, que muitas aflições lhe causa. O irmão é um doidivanas! Um inconsequente! Um desajustado! Ora, Constante, o irmão, é ele próprio, Jack, o irmão de si mesmo!

Esta é trama da peça. Ela gira em torno da confusão de nomes. O jogo de se esconder atrás de nomes fictícios é o álibi perfeito para alguém que pretende usufruir, que sejam por alguns momentos, do prazer de ser livre numa sociedade conduzida por regras sociais e etiquetas morais tão rígidas que mais poderíamos nos sentir estar vivendo em um tabuleiro. Em A Importância de Ser Constante, a duplicidade de nomes determina dois modos de vida. Um, o real. Outro, o desejável.

Numa de suas idas a Londres, com o pretexto de visitar o irmão, Jack, apresentando-se, óbvio, como Constante, conhece e se apaixona por Gwendolen Fairfax. Gwendolen adorou o nome. Constante! E logo declara. Só se casaria com alguém que se chamasse Constante. O apaixonado Jack ainda faz a Gwendolen a seguinte pergunta. E se ele se chamasse Jack, em vez de Constante? A resposta de Gwendolen não é nada animadora. Ela não se casaria jamais com alguém que se chamasse Jack!

Ainda bem que o desfecho que Oscar Wilde dá à sua peça pretende oferecer uma supremacia da essência sobre aparência. Nesse contexto, podemos afirmar, com segurança, que o nome de batismo faz parte de nós desde o nascimento, portanto, é nossa essência. É neste jogo paradoxal que Oscar Wilde constrói sua estrutura narrativa quando, no final, a verdade se estabelece. Que é quando Jack descobre que seu nome de batismo não era Jack, e sim, pasmem, Constante! Portanto, no trato cotidiano da sociedade inglesa, o que era para ser essência, Jack, vira aparência. E o que era para ser aparência, Constante, vira essência.

E aqui entra o humor viperino de Oscar Wilde. Jack, ao descobrir que seu nome de batismo não é Jack e sim Constante, dá a Gwendolen, a amada, a oportunidade de festejar, posto que ela finalmente iria se casar com alguém que se chamava Constante. Que é quando ela diz a Constante, “Sabia desde o início que você não poderia ter outro nome!”. No que Jack, agora Constante, retruca “Gwendolen, é triste para um homem descobrir de repente que durante toda a sua vida só falou a verdade. Pode me perdoar?”. E Gwondolen, “Posso, pois sei que você vai mudar.”. Este é o diapasão sarcástico do texto!

Poucos autores encontraram na força de suas palavras e na grandeza de sua arte o pretexto para sua derrocada pessoal. Podemos lembrar Federico Garcia Lorca e seus embates com a burguesia de Granada, na Espanha. Se atos como estes, o linchamento de Oscar Wilde e o fuzilamento de Lorca, são símbolos de covardia social, se significam o desmascaramento do preconceito como régua de nivelamento da mediocridade na esfera do óbvio, por outro lado, atitudes pessoais de artistas como Wilde e Lorca nos permitem pensar que a arte é a principal expressão da vontade espiritual humana, posto que, enquanto as religiões nos remetem a um Deus a que não controlamos, a arte nos remete ao artista como motor da evolução humana. Podemos até controlar o artista, mas sabemos que, mais cedo ou mais tarde, iremos nos render a ele, pois a rendição à arte como condição de sobrevivência humana é inevitável. O artista traz o pensamento filosófico simplificado em prazer. E este prazer pode ser um bem comum, pelo qual temos que lutar, impedindo que venham, na calada da noite, no-lo surrupiar. Por isso ser imprescindível protegermos o artista como forma de nos proteger. Foi o que não aconteceu com Oscar Wilde e Federico Garcia Lorca. Mataram o artista, sim, mas jamais a sua arte. Que está aí, vivíssima.

Cabe aqui também uma rápida abordagem da obra de Eugène Ionesco, A Cantora Careca (1949), que significativamente reverbera ecos linguísticos e estruturais de A Importância de ser Constante. É certo que Ionesco tinha conhecimento da obra de Oscar Wilde. Os ritos linguísticos, emprenhados de um humor que supura o óbvio, é levado, por Ionesco, às últimas consequências. Obras ímpares, únicas, mas que detêm semelhanças construtivas. E podemos ir além. Evidenciar a perspicácia artística de Ionesco. Ele sabia que, mesmo sendo ele um romeno vivendo em Paris, jamais poderia ambientar A Cantora Careca em outro lugar que não fosse Londres. Todo o vigor cultural e humorístico do texto se perderia. Como já havia determinado cinquenta anos antes Oscar Wilde, só Londres e mais nenhum outro lugar teria a capacidade de oferecer a estes dois autores as obras primas que eles gestaram. No caso de Oscar Wilde, o precursor, restava-lhe, como um arrematado dândi, tentar salvar-se numa Londres que o festejava enquanto o destruía.

Oscar Wilde distribui as pérolas venenosas na boca de cada personagem, formando um mosaico fantástico de inteligências que revelam o submundo do pensamento vitoriano. Não há meias palavras. O caminho mais seguro da ironia é a sinceridade, que é quando, com a pretensa intenção de destruir a mentira, você a entroniza, confundindo, em um primeiro momento, o leitor, para logo em seguida mostrar que obras primas como A Importância de Ser Constante expõe seu valor histórico, para lá do literário, como forma, não de moldar o pensamento de uma sociedade, mas para mostrar a ela como ela tem que se enxergar.

Clique aqui para conhecer, em Assisto Porque Gosto, meus textos teatrais

 

Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

Deixe um comentário