Anna Karenina

Uma mulher de brios

Por Leivison Silva

ANNA KARENINA (93’), Estados Unidos (1935), é uma das mais conhecidas adaptações cinematográficas que o romance homônimo de Leon Tolstói (1828-1910) recebeu ao longo dos anos. Dirigida por Clarence Brown (1890-1987), essa suntuosa produção é protagonizada por ninguém menos que a inesquecível Greta Garbo e por Fredric March (1897-1975). Por sua atuação em Anna Karenina, Greta Garbo foi premiada pela Academia dos Críticos de Cinema de Nova York, prêmio esse que viria a ganhar novamente no ano seguinte por A Dama das Camélias. A propósito, essa não foi a primeira vez que Greta Garbo interpretou a protagonista do romance russo nas telas. A atriz já havia vivenciado a personagem Anna Karenina anos antes, na época do cinema mudo, em uma adaptação intitulada Love (1927), adaptação esta que foi dirigida por Edmund Goulding (1891-1959) e na qual contracenou com John Gilbert (1899-1936), o homem que a considerava o amor de sua vida.

A bela Anna Karenina viaja até Moscou para acalmar sua cunhada Dolly (Phoebe Foster), que já estava cansada das frequentes puladas de cerca de Stiva (Reginald Owen), irmão de Anna. Logo na chegada, um fato chocante anuncia a tragédia do filme. “É um mau presságio”, Anna comenta com o irmão. Nessa viagem, Anna conhece o conde Alexei Vronsky (Fredric March), que se apaixona por ela e passa a cortejá-la, para desgosto da jovem Kitty (Maureen O’Sullivan), irmã de Dolly, que é apaixonada por Vronsky. Anna não é indiferente ao conde, mas, para não cair em tentação, decide antecipar sua volta a São Petersburgo, onde seu marido, Karenin (Basil Rathbone), e o filho do casal, Sergei (Freddie Bartholomew), a esperam. Acontece que Vronsky não é de desistir facilmente e continua a cortejar Anna, mesmo em São Petersburgo, sob as vistas do marido. Logo a relação clandestina dos dois torna-se um prato cheio para os fofoqueiros de plantão.

Anna, esposa fiel e mãe devotada, que fora arrebatada por um sentimento até então desconhecido, o amor, pensa bastante antes de tomar a difícil e corajosa decisão de viver plenamente esse romance, abrindo mão de sua reputação, de sua posição social e do que tem de mais precioso na vida, seu filho Sergei. Karenin, um homem público preocupadíssimo com as aparências, se recusa a dar o divórcio a Anna e, para se vingar da esposa adúltera, a proíbe de ter qualquer contato com o filho, chegando mesmo a dizer para o menino que sua mãe havia morrido. Ferida, Anna embarca numa viagem pela Europa com Vronsky.

A princípio, tudo são flores. Vronsky se mostra apaixonado e atencioso, mas não demora muito para a relação dos dois se desgastar e o paraíso desmoronar. Anna aos poucos vai percebendo que a decisão de Vronsky de viver esse amor não é tão definitiva quanto foi a sua. Vronsky vai ficando cada vez mais irritadiço, lamentando abertamente a falta que sente da sua vida anterior e do convívio com os camaradas do regimento. Com a saudade do filho corroendo seu coração, Anna concorda em voltar para a Rússia. No entanto, essa volta para a Rússia torna ainda mais penoso o calvário de Anna. Enquanto Dolly admira a coragem de Anna, achando que a cunhada leva uma vida interessante, divertida e glamourosa, repleta de viagens e mudanças, portanto, bem melhor do que a sua, em que tem que aguentar calada as traições de Stiva, Anna é defrontada com o alto preço cobrado pela sociedade por ter tido a coragem de bancar sua escolha. Uma escolha frustrantemente solitária.

Muitos são os atributos dessa apaixonante versão cinematográfica do romance de Leon Tolstói. A começar pelos cenários, de encher os olhos, os belíssimos figurinos, a trilha sonora tipicamente russa, que dá um toque todo especial às cenas, a direção cuidadosa e classuda de Clarence Brown, os closes precisos e os diálogos inteligentes do roteiro, nos quais os personagens proferem falas bastante espirituosas. Dentre as atuações, destaque para Basil Rathbone, que construiu um Karenin frio e austero, e Phoebe Foster, com sua desiludida Dolly.

Mas o que Anna Karenina tem de melhor, com certeza, é a onipresença de Greta Garbo, a alma e o coração do filme.

Essa é uma versão que foca nos dramas e conflitos da protagonista. Nesta segunda vez em que encarna Anna Karenina, Greta Garbo deixa bem claro o porquê de ser considerada uma das grandes lendas do cinema. Ela nos presenteia com uma atuação sensível e cheia de nuances. Os infortúnios e os sentimentos contraditórios de Anna transbordam da tela através das marcantes expressões faciais e das sutis mudanças de registro vocal que Greta Garbo empresta para a personagem. A diva sueca faz de Anna uma personagem lindamente humana, sem cair no estereótipo de mulher bela, recatada e do lar que caiu em tentação. Muito pelo contrário. Greta Garbo é extremamente eficaz em fazer jorrar pelo olhar e pelas falas da personagem toda a força e tragédia que parece conter dentro de si. E o mais interessante. Garbo, que não teve filhos na vida real, tem uma ótima conexão com o ator mirim Freddie Bartholomew. As cenas entre mãe e filho exalam afeto e cumplicidade, sendo assim os momentos mais ternos do filme.

Em suma, caros leitores. Temos aqui um belo clássico da sétima arte que encanta e comove tanto os que leram a obra de Tolstói quanto aqueles que apenas assistiram ao filme. Altamente recomendado.

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Autor: Leivison Silva

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto. Cantor lírico formado no Curso Básico de Canto Erudito da Escola de Música de Brasília, com realização de trabalhos no teatro, no cinema e na música. Iniciado na arte da palhaçaria – seu palhaço chama-se Josephyno.

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