Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Bodas de Sangue é uma peça de Federico Garcia Lorca, que teve sua estreia em 1933, em Madri e, também, em Buenos Aires. No Brasil, sua primeira montagem tem data de 1944. A peça é tida como a mais importante obra dramática de Lorca, e compõe a trilogia de dramas folclóricos, ao lado de A Casa de Bernarda Alba e Yerma. Trilogia esta que gravou, para sempre, o nome de Lorca, ao lado de outros magníficos dramaturgos, na história do teatro. Se em A Casa de Bernarda Alba, Lorca vai às profundezas do conflito humano conduzindo sua dramaturgia de forma amarga e avassaladora, em Bodas de Sangue sua poesia parece ganhar vida própria e saltar para fora das páginas do texto e dos encantos do palco, mergulhando diretamente nos arquétipos que constroem a essência humana e, assim, deixando o público absorto em puro estado poético. Talvez por Lorca ter se inspirado numa notícia de jornal para escrevê-la, a peça tenha se preenchido de poesia cotidiana que só poderia tomar forma nas mãos hábeis de um poeta eterno. Bodas de Sangue é um convite para mergulharmos de cabeça nos impulsos das paixões que movem romances e tragédias, e assim percebermos que, entregues a Lorca, seríamos grandes personagens nas páginas da sua eterna poesia. Lorca era, sobretudo, o poeta e dramaturgo de nós mesmos. E nós, pequenos versos que esperam pela sua mão.

Bodas de Sangue narra a tragédia de um Noivo que, no dia de seu casamento, vê sua Noiva fugindo com um rapaz de nome Leonardo, seu antigo e grande amor. Após um embate de desejos e mágoas, Noiva e Leonardo reconciliam seu romance passado e, após a cerimônia do matrimônio dela, se entregam à arrebatadora paixão e aos impulsos do desejo. Não há mais o que fazer a não ser fugir e viver esse romance longe do olhar sufocante daquela comunidade. Porém, o Noivo não vai aceitar a humilhação a qual foi submetido. E, então, a caçada aos amantes irresponsáveis começa.

É interessante ver como Lorca se utiliza de muitos símbolos durante os atos que antecedem à luta mortal entre o Noivo e Leonardo. A poesia é um elemento chave para intensificar as emoções, reforçar a tensão dramática e deixar o público à espera do cálice amargo daquela paixão desenfreada. Lua e Morte se transformam em personagens e lançam o público de vez para as profundezas da poesia e, através de todos os seus versos, Lorca revela como o vinho das bodas passa a ter o gosto, ainda quente, do sangue.

A poesia está na rua, nos becos, nos bares, nas flores e no deserto, mas, sobretudo, ela está nas vísceras humanas, na paixão. Ao mesmo tempo, o teatro está tão misturado à vida, que não se sabe onde é que o primeiro começa e a outra termina. É isso que Lorca nos faz sentir. Vivos e intensos, como a um de seus personagens. A mistura de poesia e teatro faz nos sentir completamente arrebatados, faz nos ver a beleza e a tristeza de sermos como somos, tão fortes e, ao mesmo tempo, tão frágeis. É nisso que se faz necessário, caro leitor, mergulharmos de cabeça nas grandes obras de arte. Para reconhecermos que somos, artisticamente, humanos e divinos.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Jogou-se de cabeça à procura de amor
Deu sangue, seus olhos
Sua carne já dura pelos encalços da vida
Seus pés que caminhavam em círculo
Seus braços abraçados e cansados de carregar solidão
Suas lágrimas desperdiçadas a ponto de secá-las
Seu sorriso, que era bonito na infância e agora rígido
E seu coração
perdido de mão em mão
até parar em alguma gaveta.
Dançou, dessa forma, vazio de si
Dançou perdido
A última dança, do amor.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Lisístrata é uma peça do grande dramaturgo grego Aristófanes, escrita por volta do século V a.C. Ao contrário de alguns dos seus famosos contemporâneos, como os tragediógrafos Sófocles e Eurípedes, Aristófanes dedicou sua dramaturgia à comédia. Naquele tempo, a comédia surgia como uma manifestação popular e menos elitizada do teatro, onde os conteúdos remetiam à ridicularização de figuras de poder. Figuras estas como as dos políticos, filósofos, e até mesmo dos dramaturgos da época. Assim, a comédia acabava por cumprir uma função social bastante pungente, pois se utilizava do cotidiano das cidades-estados da Grécia para fazer uma análise ácida da realidade que as circundava, desmistificando e questionando os rumos que aquelas sociedades estavam tomando. As comédias de Aristófanes questionavam fortemente as relações de gênero e a Guerra do Peloponeso que, então, assolava a Grécia. O valor literário dessas comédias, que perpassaram os séculos até os dias de hoje, se dá pela atemporalidade dos seus questionamentos, e Lisístrata passa a ser, no século XX, uma obra de expressão e reafirmação do movimento feminista.

Lisístrata está diante de uma Grécia enfraquecida pela guerra. As invasões bárbaras estão cada vez mais próximas, e os homens, maridos dessa Grécia, estão se matando numa guerra que envolve as cidades de Atenas, Esparta, Corinto, entre outras. A atual situação faz com que a personagem principal comece uma mobilização entre as mulheres para encerrar a guerra. Ela articula uma grande assembleia, onde pretende alcançar uma solução que traga os maridos de volta para seus lares, com um acordo de paz selado entre as cidades. Na assembleia, comparecem mulheres de todas as cidades-estados envolvidas na guerra e, ao comprarem a ideia de Lisístrata, vão executar o plano de paz.

Por se tratar de uma comédia, Aristófanes se utiliza de meios engraçados para colocar o plano de Lisístrata em ação. Ela planeja uma greve de sexo até que a guerra se encerre e a paz volte a pairar pela Grécia. Poderia se tratar de uma simples brincadeira, mas, além disso, Aristófanes escancara o poder de articulação e organização das mulheres, que eram completamente subjugadas e excluídas das decisões importantes daquela clássica sociedade. Isso potencializa o empoderamento feminino da peça, revelando que, mesmo tendo uma única possibilidade de êxito, a mobilização feminina consegue alcançar o seu objetivo e trazer a paz para suas respectivas cidades.

Lisístrata passa a ser uma obra fundamental, não apenas pelo seu valor histórico e artístico, mas pela profunda capacidade crítica que contém sua dramaturgia. É a grande armadilha da comédia, revelando-se de maneira magnífica. Ao desarmar-nos no leve riso que oferece, ela nos arrebata com seu nocauteante poder de denúncia. O impacto que nos causa, ainda nos dias de hoje, faz alimentar as forças daqueles que esperam por mudança, ou que temem pela perda de direitos que lhes custaram muito a conquistar. Na figura da mulher grega, Aristófanes mostra que se há uma única possibilidade, ainda assim haverá como e por que lutar. Num Brasil como o nosso, Lisístrata é a voz que ecoa para além dos palcos. É a voz que nos encoraja a olhar e a lutar contra as nossas mazelas.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.