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Por Leivison Silva

Como Estrelas na Terra (165’), Índia (2007), é um drama produzido e dirigido pelo premiado ator e diretor indiano Aamir Khan, que também atua no filme. Temos aqui um belo e peculiar exemplar da frutífera e vistosa produção cinematográfica de Bollywood, a grande indústria do cinema indiano.

Como Estrelas na Terra conta a história do garoto Ishaan Awasthi (Darsheel Safary). Ao contrário de seu irmão mais velho, Yohaan (Sachet Engineer), que tira notas altas e tem um ótimo desempenho nos esportes, Ishaan apresenta muitas dificuldades na escola. Um dia, os pais de Ishaan, Maya (Tisca Chopra) e Nandkishore (Vipin Sharma), são chamados para uma reunião no colégio onde os filhos estudam. Os professores são unânimes em dizer aos pais de Ishaan que o garoto não apresentou nenhum avanço de aprendizagem ou de convívio ao longo do último ano letivo. Nandkishore, pai de Ishaan, decide então matricular o filho num rígido colégio interno.

Nos primeiros meses na nova escola, Ishaan sofre bastante, tanto pela falta que sente da família quanto por causa das severas punições que os professores lhe aplicam. É nesse momento que ele conhece Nikumbh (Aamir Khan), o novo professor de artes que irá mudar sua vida e revolucionar o conservador colégio como um todo. Nikumbh trabalha numa escola para crianças com necessidades educacionais especiais. Com seu olhar humanizado, é ele quem percebe que Ishaan tem dislexia. Nikumbh então se aproxima de Ishaan e o ajuda a superar suas dificuldades, usando para isso a literatura, a escrita e, principalmente, a compreensão e a amizade de um verdadeiro mestre.

Como Estrelas na Terra é um belíssimo filme que trata, com sensibilidade e poesia, a questão da dislexia, ao mesmo tempo em que mostra a difícil realidade enfrentada pelas crianças disléxicas e suas famílias, bem como a falta de preparo das instituições de ensino para lidar com essa problemática. E mais que isso! Como Estrelas na Terra é um filme que trata da valorização e do respeito pelas diferenças.

A narrativa é bastante feliz ao nos dar a dimensão do papel que um educador pode desempenhar na vida de uma criança. Como estudante de Licenciatura em Artes Cênicas, entendo que ser educador é uma missão. Temos em nossas mãos o poder de transformar vidas para melhor, que é quando, ao invés de focarmos no problema, dando murro em ponta de faca, focamos no potencial de cada aluno, naquilo que o torna único e especial.

Para finalizar, vale comentar que, a despeito da seriedade do tema abordado na narrativa, Como Estrelas na Terra é um filme solar. As animações multicoloridas e a cativante trilha sonora dão leveza ao filme, sem dispersar o espectador da mensagem principal que ele quer passar. Muito pelo contrário. Por não serem simplesmente enxertadas, as músicas e animações ajudam a contar a história.

Em suma, caros leitores, Como Estrelas na Terra é um filme imperdível e indispensável para todos aqueles que se interessam pelo que há de mais humano em nós.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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Por Leivison Silva

O Casamento do Marido é um esquete teatral escrito em 2018 pelo dramaturgo e diretor paranaense Antônio Roberto Gerin. Juntamente com “A Mulher do Marido” e “O Ciúme da Ciumenta”, O Casamento do Marido compõe a trinca do espetáculo teatral “Até que o Amor nos Separe”.

O esquete conta a história de Poderosina, mulher prática e determinada, que não mede esforços para conseguir o que quer, utilizando-se até mesmo de meios escusos para conquistar a sua grande paixão, o jovem Crueldino. Ele, embora seja um homem bastante culto, tem a vontade fraca, e se deixou, no passado, cooptar por Poderosina. Sabendo que vive uma relação unilateral, Poderosina se refugia na estratégia de comemorar datas especiais para tentar manter viva a chama do casamento. No entanto, Crueldino foi, aos poucos, tomando consciência do quão ele estava à mercê dos caprichos da mulher, e resolve fazer um movimento de retomada de sua vida, de sua liberdade. Ao longo do esquete, Crueldino expressa sua insatisfação com o casamento através das grosserias que dirige a Poderosina. Sob a ameaça iminente de ter o casamento desfeito, Poderosina traz revelações inesperadas, o que impossibilita a realização do desejo de separação de Crueldino. Até o próximo embate, o casamento permanecerá a salvo.

Em O Casamento do Marido, Gerin trata com galhardia e perspicácia da temática do casamento, mostrando brilhantemente com sua dramaturgia como muitas vezes nos deixamos enredar por situações e relacionamentos tóxicos, seja por carência ou por comodismo, e que, quando acordamos para isso, já estamos de tal maneira imersos nessa situação, que sair dela torna-se uma verdadeira odisseia. No recorte apresentado no esquete, Crueldino diminui a esposa, sem saber que está diminuindo a si mesmo, já que, em algum momento e de alguma forma, Poderosina foi a sua escolha. Por outro lado, O Casamento do Marido mostra a dificuldade de Poderosina de deixar ir, dificuldade esta tão comum, que é quando sentimos que uma pessoa já não nos diz mais nada ao coração, mas que insistimos em mantê-la ao nosso lado, como a um fantasma.

O Casamento do Marido é uma obra teatral de pequena extensão física, mas de grande alcance humano e existencial, que vale muito a pena ser lida, encenada e assistida.

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin.

 O Casamento do Marido fez parte do espetáculo Até que o Amor nos Separe, que estreou dia 8 de fevereiro de 2019, no Teatro Goldoni.

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Por Leivison Silva

Os Sete Gatinhos é uma peça em três atos, escrita em 1958 por Nelson Rodrigues (1912-1980), e foi definida pelo próprio autor como uma “divina comédia em três atos e quatro quadros”. Ela está classificada no grupo das chamadas “Tragédias Cariocas” do dramaturgo. A primeira montagem de Os Sete Gatinhos aconteceu no ano de sua escrita, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, e teve direção de Willy Keller (1900-1979).

Seu Noronha, um contínuo da Câmara dos Deputados, sua esposa Aracy, mais conhecida como Gorda, e as quatro filhas mais velhas do casal, Aurora, Débora, Arlete e Hilda, todas prostitutas, se empenham para juntar dinheiro para o enxoval da filha caçula, Silene, que estuda num colégio interno e é vista como a salvação moral da família, já que é a única que irá se casar virgem e na igreja. Mas as coisas não saem como planejado. Silene é trazida de volta para casa por um funcionário do colégio, doutor Portela, que revela a Seu Noronha que Silene matou a pauladas uma gata prenha. Apesar de morta, a gata deu à luz a sete gatinhos. Silene havia feito isso porque ela mesma também estava grávida e sentia-se culpada por isso, descontando na gata a raiva que tinha de si mesma por ter perdido a virgindade. O pai do bebê de Silene é o mais improvável dos pais, Bibelot, namorado de sua irmã Aurora.

Em Os Sete Gatinhos, Nelson constrói um texto aparentemente cômico e superficial. Mas não é. Pelo contrário. Ele vem cheio de contradições simbólicas. Nelson Rodrigues retira as máscaras sociais e joga sal sobre as feridas morais da sociedade, revelando que as relações humanas estão muito presas às aparências. Com bom humor, Nelson critica o falso moralismo e mostra que, por mais que o ser humano tente podar seus instintos por meio de regras e normas criadas por ele mesmo, mais cedo ou mais tarde acabará sucumbindo aos seus desejos.

Brilhantemente, Nelson conduz o leitor a um submundo onde o ser humano é mostrado com toda sua crueza e podridão. As relações familiares em Os Sete Gatinhos perpassam pela religiosidade e superstições cultuadas por Seu Noronha e que são repassadas, de forma opressiva, para toda a família, gerando frustrações e revoltas na esposa e nas filhas mais velhas. Silene, a mais nova, é a construção moral idealizada por ele, Seu Noronha, e imposta a toda a família. Portanto, Seu Noronha impõe à família o sonho que é seu, o de transformar Silene numa mulher moralmente aceita pela sociedade. É o sonho de levá-la virgem para o altar.

Sessenta anos após a publicação de Os Sete Gatinhos, vemos comportamentos que se revestem de um verniz moralista que pretende ser o padrão de conduta do cidadão de bem, mas que não passa de um discurso que não tem sustentação nas práticas diárias que se manifestam portas adentro de lares que bem podiam ser habitados pelo nosso querido Seu Noronha.

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