A Visita da Velha Senhora

Por Alex Ribeiro

A Visita da Velha Senhora é uma peça de Friedrich Dürrenmatt, que teve sua estreia no final da década de 1950. É considerada a obra prima do autor, apesar de receber algumas críticas em relação à construção das personagens, principalmente por elas serem rasas demais, sem camadas humanas e dramáticas, características estas presentes nas grandes personagens do universo teatral. Dürrenmatt parece ter encontrado os contornos precisos para compor um conjunto de elementos que fizeram com que sua obra ganhasse a dimensão que merecia. Se por um lado conhecemos pouco das características das personagens de A Visita da Velha Senhora, quando afastamos a lupa podemos perceber toda uma engrenagem desenhando um complexo quadro social. É a partir desse quadro que a obra de Dürrenmatt mostra toda sua grandeza. Ele revela como podem ser devastadoras as pequenas ações, a covardia que mantém seguro o pacto social, e o mais escandaloso desejo de poder e vingança, apresentado ora de maneira crua, na personagem da velha senhora, ora de maneira sutil, nos pequenos moradores da cidade de Gullen. Poderíamos dizer que A Visita da Velha Senhora seria uma peça que trata da vingança? Ou de ambição e covardia? A verdade é que a união das duas coisas é que faz girar a engrenagem da tragédia. E o pano de fundo? Uma moral frouxa, que aceita qualquer tipo de distorção, desde que sirva aos interesses  dos cidadãos de Gullen.

Quando jovem, Clarie, nossa protagonista e hoje velha senhora, se viu perdidamente apaixonada por Alfred Schill.  A sua paixão pelo rapaz viria a lhe custar caro, quando, no momento em que ficara grávida dele, foi humilhada em público e expulsa da cidade. Desamparada no exílio, e depois afastada da filha, Clarie foi obrigada a viver como prostituta, onde conheceu um bilionário, dono de várias companhias multinacionais, com o qual se casou e herdou um poderoso império no ramo do petróleo.

Agora, de volta à Gullen, encontra uma cidade arrasada pela miséria. O povo da cidade vê na visita de Clarie uma possibilidade de se livrar da situação de calamidade em que se encontra. Bastaria amolecer o coração da saudosa Clarinha. Mas essa não é a intenção da velha senhora. Ela tem um outro objetivo. Impõe uma condição para que a cidade receba uma ajuda bilionária. Alfred Schill precisa ser morto, para que a injustiça causada no passado seja remediada.

A cidade acha absurda a proposta, se nega a aceitá-la e declara apoio a Schill, homem querido por toda Gullen. Porém, fenômenos começam a perturbar os habitantes da cidade. Antes acostumados a viver com poucos recursos, as pessoas de Gullen começam a gastar muito, a comprar muito, e, mesmo negando que aceitariam a proposta de Clarie, vai ficando claro que, mais cedo ou mais tarde, alguém irá matar Schill. Até mesmo a família de Alfred parece só aguardar que alguém dê cabo dele, esposo e pai, para que a vida possa, enfim, melhorar.

O clima tenso é levado a altíssimas proporções, e a tortura emocional a que Schill é submetido é impressionante. É assim que se faz justiça? A figura de uma pantera caminha pela cidade oferecendo perigo aos moradores e, por isso, precisa ser abatida. É uma bela metáfora da situação em que se encontra Schill. Clarie tem a tranquilidade e a certeza de que a sua Gullen não vai deixar de cumprir a sua vingança. Ela tem apenas que deixar que seus conterrâneos não resistam ao dinheiro oferecido. Clarie tem certeza de que o dinheiro pode comprar tudo.

Há, em A Visita da Velha Senhora, vários pontos que podemos utilizar para refletir sobre nós mesmos. Talvez seja significativo olharmos para os valores que trazemos conosco e acabam por reger uma espécie de código de leis próprios, adaptados aos nossos desejos, e afastados das leis estabelecidas. Nossa própria moral? Esse código à parte, aliado da expressão bons costumes, sempre que analisado de perto, revela suas perversões. É claro que as leis se estabelecem para conter os impulsos destrutivos que podem comprometer nosso convívio em sociedade. Mas, basta que a oportunidade de poder se ofereça, para que esse conceito seja jogado por terra. Seja num bilhão colocado à mesa, num holofote da grande mídia que desenha um certo prestígio, ou na disseminação de mentiras, falsas ideias e notícias, para percebermos que a distorção da lei é um prazer, mesmo que perverso. E eis aqui, caros leitores, mais uma vez, o teatro cumprindo um importante papel social. O de refletir e questionar. Daí em diante, passa a ser nossa a responsabilidade pela mudança. De nós mesmos.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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