Bohemian Rhapsody

 Uma rapsódia de amor

Por Antônio Roberto Gerin

O filme BOHEMIAN RHAPSODY (135’), do diretor Bryan Singer, Reino Unido (2018), tem sido visto por milhares de admiradores daquele que foi um dos maiores performistas a subir nos palcos da música rock e pop. Nem se trata de colocar Freddie Mercury ao lado de um Michael Jackson, ou Madonna, só para ficar nestes dois. Cada um deles é. E Freddie era, é e, se depender dos fãs, será por muito tempo um destes artistas venerados pelo que eles simbolizam de sucesso, magia e, às vezes, de trágico. O filme, no entanto, não é propriamente uma biografia de Freddie. Aliás, passa um pouquinho longe. O filme se propõe antes a narrar a empolgante e às vezes conturbada trajetória da banda Queen, desde seu início, em 1970, até a morte de seu fenomenal frontman, em 1991. Sabemos que a banda não é só o vocalista. Quando se fala de rock, fala-se também do instrumental que dá o ritmo frenético, embala e leva ao delírio multidões que lotam estádios de futebol. Mas de nada valerá tanta virtuose sem aquele que move a multidão e retroalimenta seus delírios, E, neste quesito, Freddie Mercury era quase imbatível. E ele, como artista, era tão visceral, no palco e fora dele, que acabou por antecipar o seu fim. E aqui reside talvez o sucesso, a empatia e a força narrativa do filme. Não é um filme sobre Freddie, ou sobre a banda Queen, em que pese o roteiro se debruçar, à exaustão, sobre estas duas imagens. O filme trata mesmo é da busca frenética e obsessiva pelo sonho de ser o que se nasceu para ser. Freddie era a música e tudo que girava em torno dele apenas servia para reafirmar o que ele sempre soube. Que sem música não há vida. Tanto não há, que ele morreu por ela.

Neste diapasão, o filme começa e termina com um dos momentos mais emblemáticos da banda. Sua participação, em julho de 1985, no Live Aid, que aconteceria em Londres, no antigo estádio de futebol, Wembley. E logo ficamos conhecendo como a banda se formou, seu início, as dificuldades em se firmarem no mercado fonográfico, as primeiras composições, os primeiros sucessos, as turnês, as conturbadas relações interpessoais, leia-se, as dificuldades de Bryan May (Gwilym Lee), John Deacon (Joseph Mazzello) e Roger Taylor (Ben Hardy) em lidarem com as tempestividades de Freddie, e mais, o afeto que existia entre eles e que os unia, e um Freddie que não era apenas uma estrela, que tinha plena consciência da sua importância como artista e como provedor de sucessos, mas que se afundava, perpassando por sua sexualidade, no mundo insuportável da solidão. E nesta solidão, ele encontrava apenas uma luz. Acolhedora. E que viria a ser seu grande amor. Mary Austin.

Dispensamos aqui tecer maiores discussões sobre o filme propriamente dito, inclusive sobre os questionáveis ajustes temporais em prol de uma linha narrativa mais sensacionalista e dramática. Um roteiro precisa de clímaxes e anticlimaxes, o tempo todo, e nisto o roteirista abusou, nos colocando, os fãs que sempre querem saber da verdade, em sérias dúvidas sobre o que realmente é verdadeiro. Tirante as obviedades, aquilo de que já sabemos e que é inquestionável, ficam-nos, à medida que o filme vai se desenrolando, as perguntas. Isso aqui que estão nos mostrando é verdade? De fato, tiveram que vender a Kombi para arrecadar dinheiro para o lançamento do primeiro disco? Existiu de fato Kombi? Quem primeiro ficou sabendo da AIDS? E quando? Jim Hutton (Aaron McCusker) foi mesmo garçom? O que for que viermos a perguntar, uma coisa é certa. Em que pese não se tratar de uma biografia minuciosa do homem e ser humano Farrokh Bulsara (Freddie), portanto, para além do artista, de uma coisa temos certeza e nos encanta. O amor de Freddie (o incomparável Rami Malek, com grandes chances de levar o Oscar de melhor ator) por Mary (Lucy Boynton).

Um dos jornais de grande circulação catalogou este amor como “estranho”. Estranho? Como assim…? Por acaso existe amor estranho? Ou… Por que seria estranho? Só porque, dentro da sua bissexualidade, Freddie optou por vivenciar sua homossexualidade? E não poderia se comportar como “hétero”, isto é, amar uma mulher? A ponto de ele – eis a estranheza! – ter-lhe deixado a fortuna?

Talvez a grande dignidade de Freddie fora ter respeitado a mulher Mary, e nisto reside a grandeza do seu amor, assentada no caráter, portanto,  na lealdade à vida do outro. Mesmo tendo se afastado de Freddie, após ter ele assumido diante dela sua bissexualidade, e ter-se casado com outro homem e tido dois filhos, Mary nunca abandonaria Freddie. Foi, sim, um amor eterno, pois ele existiu até que a morte os separasse! Foi, pois, um destes amores para ficar, ternamente, no imaginário do público. Não nas páginas dos jornais.

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Autor: Antônio Roberto Gerin

Autor de peças teatrais e diretor da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.

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