Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Alex Ribeiro

Uma cidade, um café, um encontro

Ela sonhou com viagens
Com um lugar mais justo
Com uma taça de vinho
Músicas tranquilas embalando a noite

Sentado à sua frente estava ele
Um homem apaixonado e cego
Que ela achava muito ingênuo
Mas que de certa forma
Parecia-lhe encantador
Esse homem, cada dia mais próximo
Foi se inserindo na pintura
Ganhando espaço cada vez maior
Um personagem na vida dela.

Matrimônio, uma casa, solidão

Quantos outonos vieram
E a vida dela perdeu a cor
Estava cansada, excessivamente casada
Não lia mais poesias
Não sonhava, nem sorria
Apenas permanecia ali esperando
As lágrimas daquelas nuvens cinzas
Que caindo sobre a vidraça da janela
Traziam um encanto à casa
Que se destacava sozinha, num lugar distante.

A doença, o medo e a despedida

Uma tarde não voltou pro trabalho
Em casa, não reconheceu o seu quarto
Se viu num lugar completamente estranho
Não conhecia os rostos amigos

Seus piores pesadelos nasciam
Das paredes, do chão, dos cantos escuros
Tudo foi aterrorizante
E, pra ela, aqueles pequenos minutos
Foram o maior abandono de sua vida
Ela foi levada, não mora mais aqui
Seu novo endereço é a casa de saúde

Epílogo, pétala, enfim liberdade.

Agora ela não existe mais
Ela que sonhou com um lugar melhor
Com a justiça guiando todos os passos
Com roseiras no jardim, na primavera
Pra ela tudo fora outono
Tudo foi cinza, numa nuvem de lágrimas

Partiu sem conhecer
Sem ter a liberdade de voar
Por ter-se submetido a ficar
Como uma pétala arrancada
Ela se foi rápido demais
As almas sensíveis nascem para a liberdade
E só assim que elas podem
Só assim que elas são
Enfim partiu em liberdade
Pela primeira e única vez.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Leivison Silva

O Preço é uma peça em dois atos, escrita pelo dramaturgo estadunidense Arthur Miller (1915-2005), mais conhecido no Brasil pelas obras “A Morte de um Caixeiro Viajante” e “As Bruxas de Salém”. Lançada em 1968, O Preço conta a história do reencontro dos irmãos Victor e Walter Franz, que não se viam desde a morte do pai, há dezesseis anos.

Victor, um policial prestes a se aposentar, havia tentado entrar em contato com Walter, um médico bem sucedido e com prestígio social, para juntos decidirem o que fazer com os velhos móveis da família, agora entulhados na cobertura de um prédio antigo, no centro de Nova York, prédio que seria demolido em breve, para a construção de um novo edifício. Uma vez que Walter aparentemente havia ignorado o chamado do irmão, Victor e sua esposa, Esther, vão à cobertura para receber Gregory Solomon, um velho avaliador e comprador de móveis usados.

Quando a negociação entre Victor e Solomon está quase fechada, Walter aparece. Sua chegada inesperada transforma o que seria uma simples transação comercial num acerto de contas com o passado. Transcorridos dezesseis anos, um rio amargo de ressentimentos se formou entre os irmãos Franz e o reencontro obriga Victor e Walter a se confrontarem com o passado e com as consequências das escolhas que cada um deles fez para suas vidas.

O Preço tem um quê de autobiográfico. Arthur Miller reverenciava seu irmão mais velho, Kermit. Após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929, a família perdeu quase tudo e Kermit deixou seus estudos na New York University para ajudar no sustento da casa. Arthur Miller pôde continuar com sua educação, graduando-se, em 1938, na Universidade de Michigan.

No caso da peça, foi Victor quem abriu mão do seu sonho para cuidar do pai falido, enquanto Walter escolheu escapar da vampirização emocional paterna para terminar sua formação e se realizar profissionalmente.

Walter traíra sua família seguindo suas ambições? Victor se traíra por ter ficado para cuidar do pai? Quem teve a vida mais bem sucedida? Walter, com seu dinheiro e prestígio, ou Victor, com seu casamento estável? Walter vive com o peso da culpa por ter-se omitido da verdade sobre a condição econômica do pai, enquanto Victor convive com a frustração de ter desperdiçado sua juventude para sustentar um pai que tinha perfeitas condições, inclusive financeiras, de se manter e até mesmo de ajudá-lo a concluir os estudos. Apesar da torcida de Esther para que Victor e Walter se reconciliem, nada que os irmãos digam ou façam vai mudar o passado ou afetar o futuro, pois o preço em questão já foi pago há muito tempo.

Arthur Miller foi bastante feliz ao escolher o nome da peça, pois ao mesmo tempo em que o “preço” do título pode se referir à oferta irrisória que o astuto Solomon faz a Victor pelos móveis da família, pode também, e principalmente, se referir ao preço que temos que pagar pelas escolhas que fazemos para nossas vidas. Através do contraste entre os destinos que cada irmão traçou para si, Arthur Miller põe na mesa também a questão da sobrevivência na grande selva que é a sociedade capitalista. Os sonhos são sufocados pelas exigências da vida prática e para se “vencer” na vida é preciso, muitas vezes, se cobrir com o manto do individualismo e ignorar certas demandas sentimentais que fazem parte das relações humanas.

Entre outras coisas, esta é uma peça que mostra bem o poder que a memória tem de revelar ou distorcer a verdade. Basta o leitor ver o rumo que as vidas de Victor e de Walter tomaram e tirar suas próprias conclusões. Mas fique atento a um detalhe. Nem sempre as coisas são como pensamos que elas foram.

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Amor, sublime amor!

Por Antônio Roberto Gerin

O sensível e premiadíssimo filme O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (135’), direção de Ang Lee, EUA (2005), aborda um dilema universal que ocupa boa parte de nossa existência. Estamos falando do amor, esta eterna fonte de vida. E, não raras vezes, de sofrimento. Mas, o que é o amor? Parece uma pergunta óbvia, não parece? Nem tanto. O amor soa como um conceito tão próximo de nós e, no entanto, acaba sendo nossa principal fonte de dúvidas e incertezas. O certo é que qualquer resposta que venhamos a dar sobre o amor, ela soará muito pessoal, posto que o amor é, acima de tudo, uma experiência. Que estará sempre colada à nossa história. De um jeito único, só nosso, portanto, intransferível. É justamente este amor que o maravilhoso filme O Segredo de Brokeback Mountain nos mostra. Amor feito de histórias únicas, cujo desenho é um mosaico de êxtases e sofrimentos, alegrias e decepções. Só os protagonistas Ennis Del Mar e Jack Twist, e ninguém mais, poderão fazer parte da história de amor que acontece entre eles, lá em cima, na montanha Brokeback. Só eles poderão dizer alguma coisa a respeito. E eles dizem. Muito. Independentemente de cor, raça, orientação sexual, geografia e origem, amar é uma experiência que está acima de qualquer julgamento. Olhando O Segredo de Brokeback Mountain de forma apressada, corre-se o risco de rotulá-lo como filme de cowboys, ou de cowboys gays, ou simplesmente um filme gay. Fujam imediatamente destes rótulos. O filme de Ang Lee é tão somente um filme sobre o amor.

Dois rapazes conseguem emprego de vaqueiro para cuidarem, naquele verão, de um rebanho de ovelhas conduzidas montanha acima, um lugar de difícil acesso, e distante de tudo e de todos. Brokeback, eis o nome da montanha. Estes dois rapazes são, por enquanto, solteiros, cowboys, gostam de rodeios, curtem estar no campo, trazem histórias pessoais diferentes, e estão ali para proteger as ovelhas dos ataques de animais selvagens e, mais do que isso, estão ali para vigiar a presença do Estado, já que a ocupação daquelas pastagens é irregular. O ambiente, bucólico, a solidão, total, o ar, selvagem, eis o terreno, fértil, onde algo extraordinário está para acontecer.

Precisaremos esperar meia hora de filme para que o amor surja diante de nós, numa cena memorável, e precisamente realista. Os movimentos em direção ao outro são sutis, sustentados por meias palavras e por olhares que não se cruzam, mas que estão ali, fulminados pelo desejo. E quando tudo, então, se desencadeia, na oferta total de sexo, sentimentos e emoções, abre-se um outro mundo para estes dois rapazes, cujos desdobramentos irão repercutir nos próximos vinte anos de suas vidas. É quando o próprio Ennis, assustado com o que está acontecendo, declara. “Aonde o amor vai nos levar?”. Ah, se soubéssemos, Ennis!

Mas, a vida continua. Os dois se casam, os dois têm filhos, os dois têm que lidar com a dura rotina de casamentos infelizes, os dois se encontram de longe em longe, os dois se juram amor, e aos poucos o espectador vai percebendo que a história toma um rumo de dores e desencontros, onde cada um, à sua maneira, vai sendo massacrado pela incapacidade de lutar contra o que tanto os oprime. Não basta ter que lutar contra o casamento indesejado, é preciso reunir coragem para sair dele e entrar em outra relação, verdadeira, desejada, mas assustadora, posto se tratar de um amor entre dois homens. O amor continua intacto, mas tudo o que está em volta dele vai aos poucos se despedaçando.

O amor é sempre projetado a partir do que somos, certo? As diferenças de personalidade e a forma como cada parte lida com a realidade são matérias primas na construção de uma relação. Esta dinâmica, comum entre amantes, é retratada no filme, de forma sutil, às vezes rude, criando um contraponto gerador de sonhos e desesperos. Ennis (Heath Ledger) pouco fala, mastiga as palavras, e esconde os gestos. Uma estátua bruta em estado de eclosão vulcânica. Chuta o balde com facilidade, mas não consegue assumir sua realidade. Jack (Jake Gyllenhaal) é diferente, o oposto, quase. Sentimentos e emoções afloram do olhar, sua vontade se impõe nos gestos, seu desejo é assumido, sem ressalvas, apesar dos medos. Bem que ele, Jack, luta incansavelmente para dar um rumo seguro à relação dos dois. Mas, à medida que o tempo passa, ele vai perdendo as forças, até se esvair, quando já será tarde para que Ennis tome de fato uma atitude.  A cidade os oprimiu. Os compromissos familiares os aniquilaram. Sonhavam com a chegada do próximo verão, para poderem se refugiar, lá em cima, na montanha. Já que se amavam, tinham que fazer valer o amor. Ora, se o amor está em nós, é só deixá-lo fluir! Não é bem assim. Tão simples. Um, sem o outro, não forma dois. E aqui reside a força trágica do filme.

É, pois, a partir desta atmosfera que a narrativa sustenta seu fôlego dramático, e nos presenteia com tanta beleza humana e sensibilidade poética. E a identificação com as narrativas de amores trágicos se faz logo presente, amores traduzidos, ao longo dos séculos, em belas obras de arte, desde um Romeu e Julieta, de William Shakespeare, passando pelas grandes obras românticas, óperas e teatros, até chegarem, quase todas elas, às telas dos cinemas. Havia dúvidas se O Segredo de Brokeback Mountain podia ser colocado nesta mesma categoria. No entanto, a dúvida se desfaz ao se chegar ao desfecho, numa das cenas mais humanas de que se tem notícia, no cinema. A cena final, em que o amor entre Ennis e Jack é ratificado pelos pais de Jack, portanto, colocado no seu devido lugar, transcendendo preconceitos, alçando o amor a uma altitude divina. Este é o olhar que os pais de Jack oferecem aos espectadores. Sim, o amor é um produto espiritual, porque ele só pode se realizar através de um desejo, que não é obra calculada, mas feita do mais puro impulso humano, que é o de sempre querermos existir no olhar do outro. Ao colocar o amor como o protagonista da narrativa, Ang Lee coloca seu filme acima dos pequenos e miseráveis rótulos.

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