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Por Alex Ribeiro

Os Irmãos das Almas é uma comédia de Martins Pena, escrita em 1844. Assim como outras comédias urbanas do autor, essa obra apresenta algumas características marcantes. A ironia com os costumes brasileiros, a sátira com os tipos da época, os diálogos surpreendentes e os desfechos improváveis, tudo concentrado num único ato, faz Martins Pena ser considerado, por muitos, o Molière brasileiro. Como não podia ser diferente, em Os Irmãos das Almas estas características também estão presentes.

Nessa peça, Martins Pena trabalha um casamento falido entre Jorge e Eufrásia, fazendo com que todos os acontecimentos e personagens girem em torno deste fato. Na casa do casal, vivem Mariana, mãe de Eufrásia, Luísa, irmã de Jorge, além da presença constante de Sousa, Felisberto e Tibúrcio. Jorge se vê totalmente fraco diante das ações da mulher e da sogra, que fazem o que querem dele. Luísa, que depois da morte da mãe é obrigada a ir morar na casa do irmão, é constantemente humilhada pelas duas senhoras.

Dados os conflitos, vamos ao riso, já que, se aprofundássemos os conflitos, teríamos matéria prima para um ótimo drama. Mas Martins Pena quer nos fazer rir, para só então podermos refletir. As contradições presentes nas duas mulheres, altamente religiosas e ao mesmo tempo perversas com o marido e sua irmã, além do possível amante de Eufrásia, que vive a circular pela casa, vão montando situações tão engraçadas que às vezes beiram ao inverossímil.

Ao mesmo tempo, Jorge é um grande trapalhão, que às vezes nos lembra os belos tipos criados por Molière, nas suas comédias. Jorge não consegue se impor à sua mulher, nem se livrar da perseguição da sogra. Ele se mete em confusões diversas e é até malandro no seu ofício de irmão das almas.

Luísa, a irmã, faz o papel de personagem lúcida, muito recorrente nas peças de Martins Pena, a que enxerga e faz uma leitura de tudo o que se passa na casa. E é através dela e de seu pretendente, Tibúrcio, que a peça consegue ter a virada fantástica de que precisa.

Ler Martins Pena é uma atividade muito prazerosa, e que nos surpreende de maneira tão jocosa que estamos sempre esperando a próxima surpresa, já com o riso pronto. O interessante é que, mesmo a peça se passando há mais de cento e setenta anos, ainda podemos perceber comportamentos que estão presentes na nossa cultura. É como se ali, naquelas palavras de Martins Pena, começassem a serem eternizados os arquétipos brasileiros. E como toda bela comédia, mostra nossa dor fazendo-nos cócegas. Rimos para não precisarmos chorar diante do espelho.

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Por Alex Ribeiro

A Dama do Mar é uma peça de Ibsen, escrita em 1888. Essa peça é considerada, pelos críticos de Ibsen, a sua peça mais poética. Sendo Ibsen reconhecido como o maior dramaturgo da Noruega e um dos maiores na Europa, desde Shakespeare, a peça já foi montada inúmeras vezes em todo mundo, inclusive no Brasil, além de ter recebido duas adaptações para o cinema.

A Dama do Mar conta a história de Élida, segunda esposa do Dr. Wangel, que vive numa pequena cidade balneária da Noruega. Não se sentindo pertencente à família de Wangel, pai de duas filhas já moças, Élida vive infeliz. Todos os dias ela toma banho de mar no fiorde, uma grande entrada de mar entre altas montanhas rochosas, para tentar se manter conectada à imensidão do mar. Isso se dá porque ela nasceu e viveu por muito tempo no litoral, onde o mar se apresentava em toda sua vastidão e, de certa forma, simbolizava a liberdade.

Antes de conhecer Wangel, Élida havia se comprometido com um marinheiro que passara pela sua cidade natal, Skjoldviken, e que partira em um navio, sem previsão de retorno. Mesmo tendo ela rompido com o marinheiro através de cartas, ele vem procurá-la. Ela sente uma atração irresistível por ele, como se fosse a liberdade chamando-a. Acredita que está fadada a se entregar a ele. Por fim, Dr. Wangel consegue reconquistar Élida, dando-lhe a liberdade para escolher entre ficar ou partir.

Muito se diz sobre os símbolos que Ibsen colocou na peça. Que por detrás das palavras há sempre um sentido oculto. Mas dá pra perceber como ele opõe o que é concreto, o casamento com Wangel, ao determinismo místico presente no marinheiro, ao qual Élida acreditava estar destinada. Tudo se resolve quando a ela é dado o livre arbítrio. Ibsen foi muito influenciado pela onda científica da sua época, e pode ser essa uma das metáforas da peça, a de que o determinismo ficara no passado.

Hoje, 130 anos depois, quem sabe pensaríamos diferente. Talvez quiséssemos que Élida decidisse voltar para o mar, que sempre lhe foi fascinante, se lançar na imensidão, se aventurar. É possível para nós imaginarmos uma Élida leve, que sente o frescor dos ventos marítimos tocando suavemente seu rosto numa manhã ensolarada. Esse parecia ser seu desejo mais íntimo. Entregar-se ao irresistível poder do mar.

Não se trata de uma volta ao misticismo, e sim de uma ode à liberdade. A desgastante rotina, a qual estamos acostumados, e os novos papéis assumidos pela mulher, trazendo-lhe autonomia e liberdade, podem nos fazer crer que ela deveria abandonar tudo e partir com o marinheiro. Mas Ibsen provavelmente sorriria desse nosso desejo por liberdade. E faz questão de mostrar que, estando livre, Élida pode escolher partir, como também escolher ficar. E ela escolheu ficar. Ela ou Ibsen?

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Por Leivison Silva

The Pillowman é uma peça em três atos, escrita pelo premiado dramaturgo e cineasta britânico Martin McDonagh – diretor de “Três Anúncios para um Crime”, que concorreu ao Oscar 2018, na categoria melhor filme. Embora tenha sido lançada em 2003, uma primeira versão de The Pillowman já havia ganhado uma leitura dramática pública, em 1995. Em 2004, The Pillowman recebeu o Prêmio Lawrence Olivier de melhor peça inédita, prêmio este que é entregue anualmente pela Society of London Theatre e que é considerado a maior honraria do teatro britânico – equivalente ao Prêmio Molière, na França.

The Pillowman conta a história de Katurian, um escritor de contos de terror que é preso pela polícia de um Estado autoritário não identificado, sob a alegação inicial de subversão política. Logo no começo da narrativa, é revelado o verdadeiro motivo da prisão. Katurian é o principal suspeito de ter torturado e matado algumas crianças, uma vez que os assassinatos reproduziam fielmente o que era narrado em alguns dos seus contos.

O escritor é interrogado pelos detetives Ariel e Tupolski que, durante o interrogatório, contam a Katurian que seu irmão autista, Michal, também fora preso. E que, após ter sido torturado, havia acusado Katurian dos assassinatos. Katurian desespera-se ao pensar no que os detetives podem ter feito com seu irmão e, mesmo sendo inocente, decide assumir a autoria dos assassinatos, contanto que suas histórias, que haviam sido apreendidas pela polícia e pelas quais ele nutre um amor obsessivo, não sejam destruídas.

Ao longo da peça, alguns dos contos de Katurian são narrados e encenados, justamente aqueles que inspiraram os assassinatos, dentre eles o conto “The Pillowman”, que dá nome à peça. E na linha narrativa do texto, surge o conto autobiográfico “O escritor e seu irmão”, com o objetivo de revelar fatos perturbadores da infância de Katurian e Michal.

The Pillowman é uma obra angustiante, perturbadora, sombria, macabra até, com doses generosas de humor negro que exige, num primeiro momento, estômago para quem o lê. A tensão é mantida em alta voltagem em praticamente toda a peça, e o texto não é nem um pouco sutil ao descrever, com riqueza de detalhes, torturas físicas e psicológicas, além de falar, sem eufemismos, do quão criativa e perversa pode ser a crueldade humana.

No entanto, passado o impacto inicial, é possível perceber que a peça fala também do amor pela escrita e da necessidade que os seres humanos têm de contar histórias e, através delas, eternizarem-se. “O primeiro dever do contador de histórias é contar histórias”, fala Katurian, no começo da peça, deixando bem claro que The Pillowman é mais do que uma peça de terror. É quase uma celebração da arte da contação de histórias que acompanha a humanidade desde épocas remotas. O amor obsessivo que Katurian tem pela escrita é tão grande que ele não hesita em sacrificar sua vida e a de seu irmão em troca da preservação da sua obra literária.

The Pillowman é daquelas peças que você pode amar ou odiar à primeira vista, mas nunca ficar indiferente a ela, tamanha sua intensidade e força.

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