Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

Por Alex Ribeiro

Álbum de Família é uma peça de Nelson Rodrigues, escrita em 1945. Essa peça só conseguiu estrear nos palcos em 1967, devido ao incômodo e à aversão que gerara no público e na crítica. Sendo aquele um ano de ditadura militar, a montagem teve que ter preocupações especiais para conseguir passar pela censura. O tema que a peça trabalha é o incesto. Essa relação sexual proibida causa uma angústia poderosa nos espectadores e nos leitores da peça.

A história se passa na fazenda de Jonas, o patriarca da família. O casamento com sua prima, D. Senhorinha, de apenas 15 anos, é o prenúncio das relações incestuosas que estão por vir. O casal tem três filhos homens e uma filha mulher, a caçula. A violência e a destrutividade impregnadas nos diálogos vão revelando as relações doentias da família. Jonas nutre desejos incestuosos em relação à filha Glória, de 15 anos. Sendo impossível a realização desses desejos, pois a filha está num internato, ele passa a manter relações sexuais com garotas de 12 a 15 anos, transformando-se num pedófilo.

Senhorinha também vai revelando sua vida incestuosa com os filhos. O primeiro a entrar em cena na peça é Edmundo, que logo revela sua obsecacão pela mãe. Ele chega a abandonar o casamento para ir atrás dela. Odeia seu pai e é apaixonado pela mãe. O segundo a surgir é o filho mais velho, Guilherme, que também odeia o pai, mas se sentindo incapaz de desejar a mãe, transfere seu desejo incestuoso para sua irmã. Por último, Nonô, que vive nu pelas pastagens da fazenda do seu pai, soltando gritos aterrorizantes, de quando em quando, junto às janelas da casa. O que levara ele à loucura? Ter consumado o ato sexual com sua mãe, D. Senhorinha.

É compreensível que a peça cause tanto incômodo. O ar doentio que se respira naquela casa parece que vai contaminando tudo. Porém, as críticas dirigidas a esse texto são puramente morais, pois, do ponto de vista estético, Nelson apresenta as mazelas que podem supurar no ser humano desprovido de limites psicológicos. O desfecho trágico revela como o autor mostra a consequência dessa situação, que é a tragicidade da morte, ou a loucura, que no fundo é uma forma trágica de se viver.

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Por Alex Ribeiro

Tambores na Noite é a segunda peça escrita por Brecht, datada de 1918. A peça conta a história de Kragler, um ex-combatente que acabara de retornar à Alemanha, depois de passar quatro anos desaparecido na África. Nesse tempo, sua noiva Anna se envolve com Murk, de quem fica grávida. A família de Anna incentiva a união dela com Murk, tendo em vista que ele é industriário e que o casamento poderia vir a salvar as finanças da família.

Na noite de noivado entre Murk e Anna, Kragler regressa e vai à casa daquela que há quatro anos anseia por ver. Anna não está, foi comemorar o seu novo noivado com a família, em outro lugar. Kragler, que ainda não sabe de nada, vai atrás de sua amada e a encontra ao lado do novo noivo, com toda a família bêbada. Vendo a possibilidade de Anna querer ficar com o seu primeiro amor, os pais dela, juntamente com Murk, destilam cruel humilhação à Kragler.

Convencido de sua ruína, Kragler vai embora e se instala numa taverna de periferia. Lá incita os presentes a se juntar à revolta espartaquista, que estava em plena atividade na Alemanha, naquele ano. Todos aderem ao chamado de Kragler, porém, ele é o primeiro a declinar quando encontra Anna pelo caminho, ela que estava a sua procura.

Dentre as peças de sua autoria, esta é a de que Brecht menos gostava. E quando olhamos para o teatro que ele se propôs a fazer, podemos entender a razão desse desgosto. Brecht era muito politizado e acreditava que o teatro deveria ser usado para conscientizar o público.

Sendo esta a sua segunda peça, podemos perceber que a inexperiência de autor o levou a se frustrar no seu objetivo maior. Após ir para o palco, as reações favoráveis da classe burguesa e da parcela conservadora da população deixaram Brecht ainda mais desgostoso.

Talvez, pensamos nós, Brecht tenha deixado escapar o seu objetivo apenas ao final da peça, quando Kragler prefere a cama às armas. Isso acabou por desenhar o final feliz do casal apaixonado. Talvez, em outros tempos, já com mais experiência, Brecht teria colocado no palco um Kragler mais crítico e digno. Tal postura daria força ao personagem, depois de toda a humilhação que recebera da família da sua amada. Kragler deixou todos na mão, seus companheiros e o próprio Brecht. A paixão pode nos levar a caminhos que não imaginávamos. E este pode ser um caminho obscuro. Mas quantos de nós não faríamos o mesmo?

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Por Alex Ribeiro

O Auto da Compadecida é uma peça de Ariano Suassuna, escrita em 1955. É considerada por muitos a grande peça brasileira. Em 1957, ela foi apresentada no Festival de Amadores Nacionais, organizado pela FBT (Federação Brasileira de Teatro) e apresentada no Teatro Dulcina, naquela ocasião, ainda sediado no Rio de Janeiro.

O sucesso de O Auto da Compadecida se deu naquele ano, 1957, muito em virtude da riqueza do texto que era paradoxalmente simples e, ao mesmo tempo, de uma riqueza literária enorme. Sobretudo, a peça é extremamente popular, pois, de certa forma, traduz muito bem o arquétipo do povo brasileiro e suas relações pessoais e sociais. A junção de todas estas características na mão do grande Ariano Suassuna faz com que essa seja uma das peças clássicas do teatro brasileiro.

Na época, a montagem do texto foi realizada por um grupo de teatro adolescente, sem muita experiência em teatro, o que potencializou o espírito espontâneo da peça. Houve também uma minissérie de televisão e uma adaptação da peça para as telas de cinema. Esta última com elementos de outras peças de Suassuna.

Os personagens, até então conhecidos da literatura e da tradição oral do nordeste brasileiro, passaram a ser também conhecidos em todo o Brasil. João Grilo é uma personagem conhecidíssima naquela região, sendo também personagem de dois romances, alem de anedotas populares. João Grilo e Chicó, seu fiel escudeiro, estão presentes nas lembranças de muitos brasileiros, principalmente aqueles que puderam ver a adaptação para o cinema, onde os ótimos Matheus Nachtergaele e Selton Mello tiveram belíssimas atuações. São personagens que deixam qualquer ator com água na boca para interpretar. E interpretar João Grilo é trazer para o palco a alma de um povo que muito sofre e que tem que transformar tudo ao seu redor pra continuar a vencer as pelejas da vida.

Consideramos que não cabe analisar essa ou aquela situação da peça, pois a riqueza que Suassuna coloca em sua obra é assunto para várias horas de conversa. Certo é que não há quem fique indiferente ao Auto da Compadecida, que incomoda, causa o riso e a compaixão de uma maneira acessível a todos. A exploração do mais pobre e sua luta pra sobreviver à seca do sertão, as configurações sociais presentes na figura da Igreja, dos Coronéis e dos patrões são um retrato bem pintado ou, melhor dizendo, bem escrito do país. Suassuna, crítico e popular, deu-nos essa dádiva para que pudéssemos nos deleitar e então pensarmos no final: e não é que foi sempre desse jeito mesmo? Por quê? Como diz Chicó: não sei, só sei que foi assim.

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