Um épico brasileiro
Por Leivison Silva
Deus e o Diabo na Terra do Sol (120’), Brasil (1964), é um clássico do cinema nacional, dirigido pelo grande cineasta brasileiro Glauber Rocha (1939-1981). Símbolo máximo do Cinema Novo, movimento cujo lema era “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, Deus e o Diabo na Terra do Sol foi efusivamente aclamado pela crítica em seu lançamento e chegou a concorrer à Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 1964. O filme é presença garantida nas listas de melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
Deus e o Diabo na Terra do Sol conta a história de Manuel (Geraldo Del Rey), um vaqueiro que, após um desentendimento sobre a partilha injusta do gado com o coronel Moraes (Milton Rosa), para quem trabalhava, acaba matando-o, e tem que fugir pelo sertão com sua esposa, Rosa (Yoná Magalhães). Em seu caminho, o casal encontra o religioso Sebastião (Lídio Silva), o “Deus Negro”, de quem Manuel, à revelia de Rosa, se torna seguidor. Ela percebe que as promessas do beato não podem solucionar, na prática, os problemas das pessoas que o seguem. Sebastião, uma óbvia analogia à Antônio Conselheiro (1830-1897), era uma figura indesejada para os latifundiários da região, que contratam Antônio das Mortes (Maurício do Valle) para matá-lo, e a todos os seus seguidores. No entanto, Sebastião é morto pelas mãos de Rosa, revoltada, após o beato exigir que Manuel sacrificasse uma criança. Antônio das Mortes e seu grupo matam todos os seguidores de Sebastião. Apenas Manuel e Rosa sobrevivem ao massacre.
O casal volta a vagar pelo sertão, até encontrar o bando de Corisco (Othon Bastos), o “Diabo Louro”, um ex-integrante do bando de Lampião. Manuel vê no cangaço uma oportunidade de mudar de vida, porém, mais uma vez se deixa levar, agora por um turbilhão de violência, e é Rosa quem o chama novamente à razão. Uma vez que não existe mais o beato Sebastião, a grande ameaça para a elite local agora é Corisco. Antônio das Mortes é contratado, então, para dar um fim no cangaceiro. O filme termina com a icônica cena do casal protagonista correndo pelo sertão, em direção ao mar.
Com um enredo envolvente e bem amarrado, e fazendo uso de arquétipos tipicamente brasileiros, Deus e o Diabo na Terra do Sol contrapõe o messianismo e o cangaço, além de retratar, sem eufemismos, a miséria do sertão nordestino em contraste com a resiliência de sua gente que, mesmo sendo explorada, pisoteada e saqueada, não perde a capacidade de sonhar. Manuel, por exemplo, sonha em ter, um dia, sua própria criação de gado.
As críticas literais e subentendidas em Deus e o Diabo na Terra do Sol, onde são exibidos os abusos de poder, característicos da nossa cultura política, lamentavelmente continuam atuais, o que denota a força e o alcance artístico de Glauber Rocha. Mas antes que o sertão vire mar e que o mar vire sertão, cabe a nós, como artistas, nesse nosso papel de agentes de transformação, dar voz àqueles que são calados pelas mãos pesadas de uma sociedade injusta e preconceituosa, em que, até hoje, infelizmente, estamos inseridos.
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