O homem por trás do codificador
Por Leivison Silva
Kardec (104’), Brasil (2019), é um filme dirigido por Wagner de Assis e roteirizado por ele e L. G. Bayão. Baseado no livro “Kardec – A Biografia”, do jornalista Marcel Souto Maior, o filme narra a trajetória do pedagogo, escritor e tradutor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido como Allan Kardec. O seu grande feito, e que o imortalizou, foi ter sido o codificador da Doutrina Espírita.
A contrário de outras cinebiografias, Kardec já começa com o protagonista Hippolyte Léon (Leonardo Medeiros) na maturidade. É quando ele ouve falar do fenômeno das mesas girantes, que intrigava a Europa da época. Bastante cético e desinteressado a princípio, Hippolyte, aos poucos, vai ficando curioso a respeito do fenômeno e decide estuda-lo seriamente. Como bom discípulo que era do pedagogo suíço Pestalotzzi (1746-1827), Hippolyte, ao lado de sua esposa, a também professora, poetisa e artista plástica Amélie-Gabrielle Boudet (Sandra Corveloni), emprega a investigação empírica e o método científico no estudo e comprovação dos fenômenos paranormais que passa a observar. Ao longo do estudo, Hippolyte adota o codinome de Allan Kardec, que fora seu nome numa vida passada, e passa a enfrentar o descrédito da comunidade científica, na qual era até então respeitado, bem como a oposição e perseguição da Igreja Católica e da imprensa. Esses estudos, criteriosamente registrados e catalogados por Allan Kardec, sempre apoiado por sua companheira Amélie, resultam na publicação de “O Livro dos Espíritos”, em 1857.
O roteiro, didático na medida certa, foi bastante feliz em narrar a gênese da Doutrina Espírita, sem apelar para o proselitismo, armadilha fácil para a cinebiografia de uma figura ligada a uma religião. E o maior acerto do filme é ressaltar a figura humana de Allan Kardec, com todas as suas contradições e fragilidades, em detrimento da figura mítica. Mérito, em grande parte, do ator Leonardo Medeiros, com sua interpretação consistente e segura do codificador da Doutrina Espírita. Destaque também para a sensível atuação de Sandra Corveloni, que construiu uma Amélie doce e forte ao mesmo tempo. O talentoso casal de atores esbanja química e afetuosidade na telona, dando vida a Kardec e Amélie, um casal atípico para a época, já que se respeitavam, não tinham filhos e ela era mais velha que ele.
Outro aspecto que logo de cara chama a atenção em Kardec é a esmerada reconstituição de época, algo poucas vezes visto numa produção cinematográfica brasileira. Cenários e figurinos belíssimos e uma fotografia de encher os olhos recriam com bastante requinte a Paris de meados do século XIX. Enfim, um filme que remete o espectador a uma história que vai além da doutrina, isto é, que atravessa o mito e cai no humano. Por esta razão, é um filme que vai interessar a todos, espíritas ou não.
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