O Marinheiro

Por Alex Ribeiro

O Marinheiro é a única peça, propriamente dita, de Fernando Pessoa. Foi escrita em 1913 e publicada dois anos depois, na revista Orpheu. Peça propriamente dita, porque o próprio Fernando Pessoa dizia que alguns dos seus pseudônimos eram, na verdade, personagens de teatro, mas que lhes faltavam a peça teatral. Apesar de ter imensurável importância na poesia portuguesa, Pessoa também tem grande relevância dentro da dramaturgia lusitana. O Marinheiro foi a primeira obra a quebrar com a estética da dramaturgia vigente, do naturalismo, trazendo novas propostas de personagens, ações, e o desenrolar do próprio enredo. A começar pela figura do marinheiro, que não é personagem da peça, e apenas faz parte de um sonho de uma das personagens. O enredo não está ligado a uma trama, a um conflito, que aproxime a peça da realidade, do contrário, ele leva as personagens a mergulharem no passado e nos seus sonhos, distanciando-se, portanto, do presente. O Marinheiro é repleto de lirismo, o que o deixa bem próximo das outras obras de Fernando Pessoa, sobretudo do Livro do Desassossego.

Três irmãs sentadas nas suas cadeiras, numa sala de uma torre, em um castelo, velam por uma donzela de branco, em seu caixão. Quatro tochas acesas, uma única janela ao fundo, de onde se veem uma colina e, mais ao longe, um azul que pode ser o mar. A lua intensa ilumina o velório. Esse é o cenário que propõe Fernando Pessoa, e que não servirá de apoio a nenhuma ação, no máximo, será um ressonador dos sonhos e angústias das três veladoras. O silêncio é sempre presente, aumentando a inquietação por parte delas. É preciso quebrar o silêncio.

Uma das irmãs sugere que elas falem do passado. Do seu passado. Diferente do que se é comum em um velório, em que a vida da defunta seria rememorada, elas decidem falar de si, mas o fazem sempre com receio. Afinal, não entendem por que falar. A segunda irmã resolve, então, falar de um sonho, de um Marinheiro que, longe da pátria, tenta inventar para si uma nova pátria, com novas gentes e novas ruas, nas mais novas cidades. E entre um angustioso silêncio e outro, elas especulam se deveras existiu tal marinheiro. A irmã que relata o sonho se arrepende de o ter contado e anseia pelo dia, que não deve tardar a nascer. O dia chega. A angústia, o silêncio e o sonho continuam presentes, mesmo com a luz do sol. O extraordinário não acontece.

Fernando Pessoa nos insere dentro de um drama para ser sentido. Assim como a poesia merece ser sentida, mais do que entendida, O Marinheiro nos faz mergulhar no seu mar de sensações. Será tão difícil viver o presente, a ponto de termos que olhar sempre para o passado, em busca de uma memória que nos ampare? Será que só nos sonhos é que podemos ter uma vida deslumbrante ou reconstruir nossos ideais já perdidos? O que fazer com esse silêncio que nos atordoa? Pessoa nos faz navegar por entre divagações e nos instiga a perguntar o tempo todo. O que fazer com o presente? Eis aí, meu caro  leitor, uma pergunta difícil para nós brasileiros. Mas uma coisa é certa. É preciso quebrar o silêncio e encarar o presente. Apesar do presidente.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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