O Pai

Por Alex Ribeiro

O Pai é uma peça de Johan August Strindberg, escrita em 1887, e é uma das peças mais importantes do multiartista sueco que, além de escrever prosa e teatro, também se dedicava à fotografia e à pintura. Strindberg é um dos escritores mais importantes da Escandinávia, e suas obras influenciaram decisivamente, não só na sua região como no mundo todo, a literatura e o teatro do início do século XX. No período em que a peça O Pai foi escrita, o dramaturgo passava por intensa crise no seu primeiro casamento, e carregava angustiosamente a dúvida da paternidade. E este foi o tema que Strindberg escolheu para explodir a tragédia do personagem principal da peça, o Capitão Adolf, que vê sua sanidade mental minada, também, pela dúvida da paternidade. De certa forma, Strindberg nos mostra uma obra confessional, onde ele tenta buscar, na sua dramaturgia, dissecar toda a dor pela qual ele mesmo estava passando. Mesmo ele se considerando contrário ao conservadorismo, suas feridas emocionais, causadas pelas relações com as mulheres, não deixaram de transpassar um tom misógino nas suas peças. Contudo, isso não torna suas obras pequenas, pelo contrário, as engrandece com a sua coragem de expor suas dores de forma tão intensa. Afinal, das relações humanas, qual é aquela que não deixa marcas? As de Strindberg estão carregadas do ardor das suas fragilidades e feridas emocionais.

Na primeira cena da peça, o Capitão e o Pastor, seu cunhado, conversam sobre o filho de uma das criadas da casa. Nöjd, um dos funcionários do Capitão, seria o suposto pai, mas como na época a ciência ainda não tinha os testes de DNA, não havia como provar quem, de fato, eram os pais das crianças que nasciam. Deste modo, só as mães é que poderiam saber. Assim, nessa pequena cena, Strindberg já vaticina a tragédia que espera pelo Capitão.

Ao longo da peça, nosso personagem vai se queixando da quantidade de mulheres em sua casa, e como lhe é custoso lidar com todas elas que, cada uma a sua maneira, querem conduzir a educação de Bertha, sua filha. A chegada do novo médico da família, que a princípio é uma esperança para o Capitão, acaba por se tornar uma decepção, já que Laura, sua esposa, trata de querer convencer o médico de que seu marido está padecendo e que este padecimento está comprometendo sua saúde mental. Os embates entre Laura e o Capitão vão se tornando mais tensos a partir daí, até que ela lança a semente da dúvida sobre a paternidade do marido. É neste momento que o Capitão abraça sua tragédia e afunda de vez numa espécie de delírio persecutório, do qual não parece haver saída. É o triunfo da esposa. Ela finalmente se vê livre do marido e poderá, agora, cuidar da educação da filha como bem entender.

Como se pode notar, a peça quase que retrata o momento pelo qual Strindberg estava passando. Suas dores em relação à sua esposa, a dúvida sobre a real paternidade dos seus filhos e seu enorme sentimento de impotência, causado por esses conflitos, aparecem sintetizados na personagem do Capitão. Esse aspecto nebuloso de sua vida, presente na peça, traz para a obra uma característica muito próxima das tragédias gregas, onde uma espécie de mal sobrenatural está prestes a acontecer. É a arte se mostrando como possibilidade de redenção do artista, ou mesmo como seu salva-vidas no turbilhão de seus conflitos humanos. É por esta razão, caro leitor, que a arte é tão importante. Para salvar-nos de nós mesmos.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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