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Como produzir tragédias familiares

Por Antônio Roberto Gerin

O premiado SOBRE MENINOS E LOBOS (137’), direção de Clint Eastwood, EUA / Austrália (2003), é um filme que fala das pequenas tragédias familiares que, enfiadas todas num mesmo roteiro, vão gerar as grandes tragédias. Mas, o filme também mostra outra realidade. Quem produz as tragédias somos nós, justamente por sermos muitas vezes incapazes de suportar as nossas dores. Então, o alerta. Não carreguem o que não podem suportar. Busquem ajuda. Porque o próximo passo será fazermos alguma escolha errada, ingrediente básico para darmos um rumo trágico às nossas vidas. Esta é exatamente a história de Dave Boyle. Houve a decisão inicial, errada, do menino Dave entrando naquele carro. Trinta anos depois, novamente o erro do homem Dave aceitando o convite para entrar naquele carro. Este é o gancho dramático que dá a Clint Eastwood a oportunidade de manipular a construção da narrativa do filme. Aliás, podemos ver Clint como um dos maiores trapaceiros do cinema moderno. No bom sentido. Não queremos, mas ele nos pega pelo pescoço. Tudo bem. Seus filmes não escapam à receita de bolo hollywoodiana, e a receita chamada Sobre Meninos e Lobos tem o mesmo sabor amargo de outros filmes do diretor. Clint Eastwood sabe como ninguém manusear as emoções de modo a alcançar seus objetivos estéticos. E estética é prazer. Neste sentido, seus objetivos são diretos, e ousados. Ele faz deste filme uma ode ao prazer de se assistir a um filme terrível. Como se a dor humana fosse a cereja do bolo. E como não poderia deixar de ser, as dores perpassam pelas famílias, o epicentro das tragédias. Não à toa, a família é um tema caríssimo a Clint. E a Hollywood.

Numa mesma noite, quase ao mesmo tempo, dois crimes se entrelaçam e produzem um interminável cardápio de dores. Este é o núcleo narrativo do roteiro de Sobre Meninos e Lobos. Mas a narrativa começa lá trás, mais ou menos trinta anos antes, quando três garotos, Jimmy, Sean e Dave, nos seus onze anos, brincavam na rua em frente às suas casas. No momento em que gravavam seus nomes no cimento fresco, foram abordados por dois pedófilos, disfarçados em policiais. Um dos meninos, Dave Boyle, pressionado, entra no carro e desaparece por quatro dias. O resto, o que aconteceu nestes quatro dias, o espectador, atônito, já deduz. O impacto deste acontecimento irá repercutir para o resto de suas vidas. Muito mais para Dave, evidente, a vítima direta. Só que se observarmos os movimentos da vida com uma lupa mais potente, vamos ver que esses movimentos tendem a se repetir. Com Dave Boyle não foi diferente. Ele entrou na sua tragédia e não mais conseguiu sair dela. Tanto é evidente que, já adulto, de novo ele vai entrar no carro. Por que não percebemos que repetimos os mesmos movimentos que nos destroem? Este é um dos princípios terríveis do abuso. Uma vez que ele entra em você, ele fica. E da maneira como você o recebe, ele te destrói.

Dentro da proposta do enredo, a incômoda temática do abuso vai ocupando todas as entrelinhas da narrativa. No entanto, o fio condutor mesmo da trama é o crime que ocorre logo no início do filme. Um crime fortuito, a princípio, mas que não é fortuito coisa nenhuma, porque ninguém morre por morrer, mesmo na ficção. Katherine, a filha de Jimmy Markum (Sean Penn), um dos meninos abordados pelos pedófilos, é assassinada. As buscas pelo assassino vão retroalimentar a tensão dramática, que ganha contornos fortíssimos quando a suspeita recai sobre Dave Boyle (Tim Robbins). E mais. O desespero do pai pela perda da filha, que clama mais por vingança que por justiça, e as ações detetivescas de um Estado titubeante elevarão a tensão do filme a altas voltagens, obrigando o espectador a dobrar a sua dose de pipoca. Clint Eastwood, de posse de um roteiro inteligente, parte para a construção de uma alegoria sobre a ausência de controle moral por parte de uma sociedade que compactua com a delinqüência como desculpa para não ter que tirar, em hipótese alguma, o capuz da hipocrisia. Neste caso, a ação individual e a ação coletiva ocuparão os mesmos espaços. E é o que nos mostra o final do filme que, como é sabido, desagrada a uma boa parte dos que já assistiram a Sobre Meninos e Lobos. Portanto, cabe uma explicação.

Após o desfecho traumático, o filme termina com as cenas que se passam na rua, onde ocorre um desfile assistido pelas famílias que estão ali para aplaudirem seus filhos encavalados em carros alegóricos. Banda festiva, olhares apreciando a evolução do desfile. Uma atmosfera de harmonia e convivência pacífica cria uma tênue camada de cinismo, que deixa antever claramente que novas tragédias estão sendo gestadas. Este é o final necessário para que o espectador fique, de uma vez por toda, incomodado. E o espectador traduz seu incômodo com o não gostar do final, “que não precisava”, “que podia ter terminado antes”, enfim, uma forma saudável de se lidar com o próprio incômodo. E o incômodo mais aumenta quando vemos, antes das cenas da rua, o emblemático diálogo entre Marianne e Jimmy, na cama, quando ela, ciente do engano trágico do marido, faz-lhe a apologia do herói. Herói? Um delinquente? E aqui nos encaminhamos para uma outra questão a se observar no filme. A força propulsora dos papéis femininos.

Infelizmente, no entrecho do roteiro, os papéis femininos justificam a insanidade. Vale observar que sem a paranóia de Celeste (a premiada Laura Linney), talvez o trágico pudesse ter sido abortado. Com o cinismo egoísta de uma Marianne (a fabulosa Márcia Gay Harden), o trágico fará novas vítimas. Eis o peso do feminino na execução do roteiro.

E antes de finalizar, vamos falar um pouco do brilhantismo deste premiado roteiro. Extremamente bem urdido. Demasiado tecido. Chega a lembrar um tapete persa. Quem for candidato a escrever roteiros de cinema, eis uma aula indispensável. Vemo-nos envolvidos numa trama novelística tal que, mesmo tendo o filme mais de duas horas, não conseguimos sentir o tempo passar. Estica, sem dó, os nervos do espectador. E é simples. Simples porque trabalha em torno de uma pergunta bem novelesca. Quem matou Katie?

E muitos prêmios e muitas indicações! Oscar, Globo de Ouro, Bafta. E com uma trilha sonora que se encaixa direitinho no ritmo ofegante de nossos batimentos cardíacos.

Em suma. As dores que remoemos silenciosamente por traumas ocorridos em algum tempo de nossas vidas acabam por tomar conta da nossa identidade. Se não as expulsarmos, ou pelo menos se não as acalentarmos, é o que irá acontecer. E o que o filme nos mostra, através da maldade criativa de um Clint Eastwood diretor, é que as dores geram uma tragédia injusta. No jogo entre a verdade e a mentira, vence a mentira! E quando a mentira for desmascarada, já será tarde. Aqui está o punhal que o filme enfia em nosso peito. Pior que uma tragédia, é uma tragédia da qual a vítima não precisava estar participando. Mas, ao participar, terá vivido inutilmente. Desfigurado pelas suas dores.

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Por Alex Ribeiro

Toda madrugada, em silêncio
Abro a janela do meu quarto
E espero que a lua se deite
Na minha cama, sobre o meu corpo

É apenas o beijo doce que espero
Que desejo e sonho no meu cotidiano calado
Na minha música favorita do momento
Na saudade que eu sinto

Mas essa noite a lua não veio
E tudo foi escuridão
Como os amores do passado
Como uma vida em ilusão

Basta… quero ter-te comigo
Por um momento, um perigo
Perder-me nas loucuras do desejo
Amanhecer com teu beijo.

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Ser ou não ser

Por Alex Ribeiro

Hamlet é uma das tragédias mais conhecidas de Shakespeare. E para alguns é a peça que inaugura o homem moderno, que se vê livre da influência da igreja sobre sua forma de pensar, apesar de conter elementos fantásticos no seu conteúdo.

Hamlet é o príncipe da Dinamarca, e a peça inicia com a morte recente do pai de Hamlet, aparentemente um acontecimento triste na família. No entanto, Hamlet, ainda em luto, vê sua mãe se casar novamente, e a pressa com que ela contrai matrimônio pareceu-lhe, no mínimo, estranha. A Dinamarca tem agora um novo rei.

Dúvidas começam a surgir. Será que o rei fora assassinado? Será que a rainha está envolvida? Hamlet passa a ver como é falsa a conduta da corte e como são podres as pessoas a quem ele tinha apreço. O jogo pelo poder e pelo amor derrubou o rei.

Hamlet passa a jogar com as peças do palácio. Faz-se de louco, despreza a mulher prometida, talvez a única que merecesse dele um olhar diferente, mas o que esperar desse homem extremamente lúcido, porém, sufocado por tanta mentira e corrupção? Mata a todos aqueles que o cercam e, por fim, a si mesmo.

“Ser ou não ser?” e “Há algo de podre no reino da Dinamarca” são algumas das frases mais famosas da peça, e é interessante ver como elas cabem em nós, brasileiros, atualmente. Ser autêntico e convicto diante das mazelas por que passa nosso país, combater ou não as mentiras, ser ativo ou apenas deixar que sejamos engolidos pelos retrocessos que vêm acontecendo, o que fazer? Muitos ainda não sabem o que responder ou como agir, e talvez nunca vão saber. Mas uma coisa é certa. Há muito de podre no reino do Brasil.

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