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A vida é maior que a morte

Por Antônio Roberto Gerin

O ALUNO, direção de Justin Chadwick, EUA/Grã-Bretanha/Irlanda do Norte (2010), é um filme para lá de comovente. Ele relata a história de um homem que começa a ser alfabetizado aos 84 anos. Só com esta informação já dá para perceber o tamanho do filme. Trata-se de Kimani N’gan’ga Maruge, que lutou pela independência do seu país, foi preso e torturado, mas agora, vivendo em um país livre, o Quênia, e após ouvir um discurso em que seu presidente lança o programa “Educação para todos”, decide se matricular numa escola infantil, isso mesmo, um senhorzinho analfabeto de 84 anos estudando com crianças de seis e sete anos e, a despeito dos contrários, e das dificuldades iniciais, não teve quem o fizesse desistir da inusitada ideia de se alfabetizar.

A partir de sua decisão, inicia-se a via-sacra do senhor Maruge (Oliver Litondo). Não podia ser diferente. A comunidade, homens principalmente, fica indignada com a atitude ousada do velhinho. E com inveja quando a imprensa e o governo começam a paparicá-lo. Fazem de tudo para impedir que Maruge se matricule. Mas ele não se entrega, não se abala, mantém-se firme na sua decisão de se alfabetizar. É nesta persistência do homem que passou a vida lutando que reside a graça do filme, com sua singeleza, a bela fotografia, roteiro que flui, atuação esplendorosa de Oliver Litondo e da bela Naomie Harris, no papel da professora Jane Obinchu, que passa a dar atenção àquele senhorzinho a quem fora recusado o pedido de se matricular na escola em que ela leciona. Dada a insistência e a determinação de Maruge, a professora acaba por aderir à sua causa e o coloca dentro da sala de aula, sob o risco de comprar brigas. Diante da comovente atitude daquele homem, ela logo percebeu que valia a pena lutar por ele.

Esta é uma história real, o que a torna mais pungente do que se fosse apenas inventada. Este homem existiu, é histórico, sua graduação escolar acabou tendo repercussão, primeiro nacional, e depois internacionalmente, chegando ao ponto de Maruge ser convidado a discursar na ONU sobre suas experiências.

O filme vale por si só, e traz um leque de lições infinitas, onde cada espectador pode compor sua cartilha sobre a importância, primeiro, de lutar por um sonho e, segundo, o mais aparente, entender a importância da educação para qualquer país que queira firmar sua identidade no cenário mundial. Com certeza Maruge, com sua atitude, percebeu que o futuro do Quênia passava pelo caminho da escola. Fica aí a bela lição. A vontade de viver a vida só termina quando se morre.

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Por Jackson Melo

Saudade daquela
Que atrai meus olhos
E tem a posse do meu coração

Saudade daquela
Que me dá um beijo de bom dia
E me envolve em teus braços

Saudade daquela
Que recebe meu café pela manhã
Com gosto de amor

Saudade daquela
Que me dá um oi
Só pra dizer
Que também tem saudade

Saudade daquela
Que toca meu íntimo
Despida de tudo
Num mundo só nosso

Saudade daquela
Que não beijei,
Não toquei…
Saudade daquela
Que ainda não conheci.

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A Eterna Menina

Por Antônio Roberto Gerin

JANIS LITTLE GIRL BLUE (104′), direção de Amy Berg, EUA (2016), é um documentário sobre a vida e curta trajetória artística da sempre menina Janis Joplin. Um furacão. Um sentir a vida intensamente, que ela levava para os palcos de um jeito peculiar, seu, único. Arrebatador. Uma voz que surge do improvável numa menina de Port Arthur, Texas, que caminhou pelo blues até o rock, indo e vindo, como se caminha numa praia ensolarada, já ao entardecer. Um relâmpago, que quando se transformou em trovão, morreu, de overdose, aos 27 anos, em 4 de outubro de 1970.

Sempre quando assistimos a um documentário, ou lemos biografias, invariavelmente perguntamos se tudo nos foi mostrado. Há documentários que parecem nos satisfazer plenamente. Exemplo recente e maravilhoso é o Sal da Terra, sobre a fotografia e vida de Sebastião Salgado. Ou no caso do documentário sobre a Amy. Podemos dizer, ao assistir Amy Winehouse: poxa, essa é a Amy! Mas Janis Little Girl Blue nos traz outra sensação. A de que algo não foi dito. Ou podia ser melhor dito.

O filme sobre Janis Joplin se restringe a apenas alguns pilares documentais. Meia dúzia de entrevistados que entram e saem o tempo todo, os componentes da antiga banda e tal, os irmãos nos deixando a impressão de que não querem dizer tudo, e assim o documentário vai traçando a personalidade de Janis e a trajetória musical da cantora, transitando entre o tardio e fulminante sucesso, a partir de Monterrey, o uso descontrolado de drogas e sua relação com a família e com seus sonhos, o suficiente, e aqui o documentário se basta, para nos provar porque a vida e obra dessa menina repercutem, na mesma intensidade daquela época, até hoje.

Apesar de o documentário relatar os constantes bullyings sofridos na adolescência, pincelar o conservadorismo americano, e o ultraconservadorismo texano, de onde ela veio, o documentário podia ir mais fundo numa questão crucial da vida de Janis Joplin, que a moldou e depois viria a abalar sua estrutura psicológica, cada vez mais frágil à medida que ascendia ao sucesso. A questão é a rejeição. A rejeição ao seu jeito de ser, e depois a rejeição ao seu sucesso. Rejeição da mãe, da família, da sociedade texana, nesta ordem. Pena que o documentário recuou diante de tema tão doloroso e tão destrutivo. O que nos leva a afirmar, e esta é nossa impressão, que a vida real pode não caber em um documentário.

Aos amantes da visceralidade musical de Janis Joplin, e de seu estilo de vida, e também aos amantes em geral, de qualquer artista, cabe colocar uma observação. O modo criativo de vida tem seu preço, quando ele vem interferir no curso normal do cotidiano de qualquer pessoa, do mais desconhecido à estrela do mundo pop. Diferente do que se pensa, quando o grande público consome o que já está feito e não toma conhecimento do sofrido processo de entrega do artista, com suas ansiedades e dúvidas a respeito da própria arte, e de como ela será recebida, este artista pode, no esgotamento e na perda da realidade cotidiana, incluindo aí a vulnerabilidade no exercício pleno do afeto e da individualidade, entrar em um processo de autodestruição e de esvaziamento existencial. Atravessar a soleira da porta e se entregar aos vícios, na busca do que é impossível encontrar, é apenas uma questão de oportunidade. Portanto, em maior ou menor grau, devemos aos grandes artistas a coragem de se perderem em troca de nos oferecer sua obra. Janis Joplin que nos diga.

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