Publicado em Categorias Cinema, Cultura, Literatura, Resenhas

A cultura como sutil instrumento de opressão

Por Antônio Roberto Gerin

Às vezes é aconselhável deixarmos certos hábitos e preferências de lado e sairmos à procura de filmes fora da rota das produções norte-americanas e europeias. Olhar para outras paisagens, outras culturas, outras filmografias. TEMPESTADE DE AREIA (97’), direção e roteiro de Elite Zexer, Israel (2016), é uma ótima opção para quem quer mergulhar em outra realidade, aparentemente estranha a nós, mas que logo vamos perceber traz muitas semelhanças com as formas de vida, em todos os seus aspectos, principalmente moral e social, que cultivamos em nosso dia a dia, onde quer que estejamos. Sob a capa da cultura e dos costumes, que são únicos para cada povo, há uma inevitável identificação entre os seres humanos que somos, independente do lugar e época em que vivemos. Pelo olhar deste belo filme, vamos aterrissar numa aldeia de beduínos, bem no epicentro de um conflito familiar. Tudo narrado pelas lentes de uma produção israelense. E o que vemos nos surpreende.

Tempestade de Areia é desses filmes a que devemos assistir de vez em quando para nos atualizarmos sobre o que anda fazendo, desde sempre, a raça humana. Vamos perceber como transitamos por códigos por nós compilados e aceitos ao longo do tempo, e que serão fontes inevitáveis de sofrimentos. É só olharmos em torno de nós, para o nosso cotidiano. Se nos pusermos a anotar uma por uma as regras morais e sociais a que estamos submetidos, com certeza vamos nos assustar com a quantidade de limites e, invariavelmente, nos perguntar como é que conseguimos viver nesse emaranhado de preconceitos e proibições. Layla, a protagonista do filme, é o exemplo da atitude trágica de quem renuncia a sua felicidade apenas para manter em pé a abalada estrutura familiar. Sua autoimolação permitirá a continuidade da tradição, e, como toda tradição, esta também faz o movimento que lhe é essencial, o de subjugar a individualidade. O que vemos é um drama familiar, cujos membros estão presos a códigos culturais cristalizados ao longo de séculos, onde apenas alguns, poucos, se dispõem, pagando alto preço, a confrontá-los. É o fenômeno dos comportamentos humanos sintetizados pelo que chamamos de cultura, mas que, infelizmente, em muitos casos, como este, favorece os exercícios da hipocrisia, de um lado, e o domínio pela opressão, do outro. Não há esperanças, cabem apenas sonhos seguidos de frustrações. Quando se pensa que vai avançar, transgredir, há o recuo, que é a triste volta ao impiedoso domínio dos códigos.

O marido e pai Suliman (Hitham Omari), por direito à bigamia, casa-se com a segunda mulher. Normal, é o código. É festejado por seus pares, alguns deles também bígamos. A primeira mulher, Jalila (Ruba Blal), cuida dos preparativos do casamento e, no dia seguinte, enquanto o marido se esbalda na cama nova com a nova mulher, a antiga limpa as sujeiras da festa, lava baldes de roupa, sempre com a ajuda contrariada da filha mais velha, Layla (a excelente Lamis Ammar), que, aliás, está contrariada com o pai e a mãe por não permitirem que ela namore Anuar (Jalal Masrwa), rapaz de outra casta. De fato, segundo o código, não pode. Cobriria o pai Suliman de vergonha.

A partir do momento em que o marido passa a usufruir do seu direito à bigamia, as antigas relações familiares parecem mudar de lugar. A primeira esposa começa a questionar os comportamentos do marido. Opa! Sim, dentro da opressão cultural cabe certa revolta. Afinal, há os sentimentos, e nós somos também feitos deles. O marido dá mais atenção à esposa mais nova. Oferece a ela casa mais bonita, geladeira mais cheia, carinhos mais demorados. Em atitude de revolta velada, a mãe e primeira esposa passam a apoiar os interesses da filha em relação ao namoro proibido. Desta forma, a estabilidade cultural, e dentro dela a estabilidade familiar, começa a ser colocada em cheque.

O filme termina como começou? Não. Ele dá um terrível passo à frente. Quando parece que tudo vai se ajustar, quando a mãe toma atitudes de rebeldia em relação ao marido e, por causa disso, é devolvida (banida) por ele à casa dos pais (para vergonha destes), quando, então, apoiada pela mãe, a filha resolve quebrar o rígido código de castas, indo ao encontro do namorado, quando… Estas circunvoluções da trama assemelham-se àqueles jogos de desafios, onde a cada superação de obstáculo, o próximo será ainda mais difícil de ser superado, dando-nos a certeza de que estamos condenados, por antecipação, à derrota.

Em suma. Este é o sentimento que cada um de nós carrega dentro de si. Somos ludibriados por certas imposições culturais, e a moral se serve maliciosamente desta pobre cultura para nos dominar. E quando parece estarmos preparados para dar um passo à frente e nos libertarmos das amarras que nos sufocam, o que acontece? O filme dá sim um passo à frente. Infelizmente, pois os códigos morais, ao vencerem mais uma vez, tornam-se ainda mais fortes e mais opressores. Fortalecem-se para continuar nos subjugando. Esse é o triste recado. Ao nos rebelarmos, nada mais fazemos do que confirmar os códigos, fortalecendo-os com nossas derrotas. Derrotados, retornamos a eles. Este é o eterno enredo de nossas pequenas e cotidianas tragédias.

Clique aqui para conhecer, em Assisto Porque Gosto, meus textos teatrais.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Poesia

Por Jackson Melo

Só tu vês
Quando estou cansado
Me oferece o teu colo
Acaricia meu cabelo
Até que eu caia no sono

Só tu vês
Quando estou feliz
Quando meu único querer
É dividir contigo
Toda minha alegria
Te levar comigo
Num velejar de prazer

Só tu vês
Quando os meus olhos
E a voz carregada
Escondem a tristeza
Me encosta em teu ombro
E a cada palavra
Um cair de lágrima

Só tu vês
Quando meu copo
Está vazio
E tu preenches
Até que se transborde
Todo nosso amor

Só tu vês
Só tu me vês
Só eu te vejo
Meu eu
Meu amor.

Publicado em Categorias Cultura, Literatura, Resenhas, Teatro

A encantadora

Por Alex Ribeiro

Mirandolina, A hoteleira é uma peça de Goldoni, com estreia datada por volta de 1753. Conta o cotidiano da hospedaria de Mirandolina e de seus hóspedes, em sua maioria aristocratas, que se veem encantados por ela.

Um Conde e um Marquês vivem disputando as atenções de Mirandolina. Ela os recebe com cortesia e se diverte com os mimos que ambos oferecem a ela. Enquanto o Conde esbanja sua fortuna, o Marquês, falido, oferece a sua honra, e não esconde a inveja que nutre pelos presentes que o Conde não poupa em dar a Mirandolina.

O aparecimento do Cavaleiro, um homem que despreza as mulheres, faz a história se movimentar. Ele acha ridícula a situação a que se submetem os dois nobres em relação a Mirandolina. E continua firme em seu desprezo em relação a ela.

Mirandolina se propõe a conquistar aquele homem que despreza as mulheres e para isso adota uma tática diferente daquela a que está acostumada a utilizar. Ao falar tudo com total franqueza, Mirandolina desarma as defesas do Cavaleiro, que não demora em se apaixonar por ela.

É uma peça que mostra como a mulher pode amolecer um coração duro e ríspido de um homem, representado pelo personagem Cavaleiro. E mostra também como os homens podem se fazer cegos quando estão apaixonados. Ninguém está a salvo de se apaixonar, nem homens nem mulheres, e quando nos apaixonamos, podemos mudar totalmente a forma de como vemos as coisas. E o ideal é que o encanto seja recíproco. E não apenas mais um jogo de poder!

Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin, dramaturgo da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto.