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A realidade retratada num belo filme

Por Antônio Roberto Gerin

A gente, nós, espectadores, assistimos a um filme porque achamos que vamos gostar dele. Às vezes, tudo bem, acaba sendo uma aposta errada. Agora, quando se assiste a mais de uma vez o mesmo filme, três, cinco vezes, então, definitivamente, é porque estabelecemos com ele uma relação que vai além do mero entretenimento. É como se o filme passasse a nos pertencer. Ele nos acompanha. Participa secretamente de momentos especiais de nossas vidas. Se olharmos para trás, vamos perceber que, intuitivamente, acabamos por construir a nossa lista de filmes preferidos. Nesta lista, só para elencar algumas sugestões, poderiam estar Uma Linda Mulher, Forrest Gump, A Noviça Rebelde, Ao Mestre com Carinho, My Fair Lady, Rei Leão, Cidadão Kane, E o Vento Levou…, um Ingmar Bergman, um Charles Chaplin, Pier Paolo Pasolini, Glauber Rocha, Buñuel, um Tarantino, enfim, uma lista para o gosto de cada cinéfilo. Sendo assim, cabe apresentar-lhes mais um candidato. O angustiante e charmoso BUTCH CASSIDY AND THE SUNDANCE KID (113’), direção de George Roy Hill, EUA (1969), para muitos, o melhor dos faroestes. Que não seja o melhor, mas, com certeza, bate lá, no topo da lista dos melhores filmes.

O filme narra a tumultuada história real de dois foras da lei que tocavam o horror no velho oeste americano, no final do século XIX. A dupla, entre um assalto e outro, vivia a vida que pediam a Deus. Esbanjavam o que roubavam. Ora, bandidos também são capitalistas! E esse bom viver é cirurgicamente retratado pela simpatia irreverente de Butch Cassidy, personagem que cai como uma luva de seda na memorável atuação de Paul Newman, e também retratado pela lealdade debochada de Sundance Kid, encarnado pelo não menos memorável Robert Redford. Dois amigos de bandidagem e de aventuras que, retratando a vida real, quer dizer, acontecida, faz com que Hollywood, mais uma vez, se aproveite do “é baseado em fatos reais” para transformar o cinema em pura diversão. Aliás, se apropriar do que a vida oferece de bom e de interessante é uma das coisas que Hollywood sabe fazer muito bem.

Butch Cassady and The Sundance Kid nasceu dos sonhos e de pesquisas exaustivas, além do talento, lógico, de William Goldman, que viria a se firmar como um dos grandes roteiristas de Hollywood. Este filme é a prova cabal de que um bom roteiro é o começo para a construção de um grande filme. De posse de farto material lendário, e partindo de uma composição inteligente, isto é, a exploração da amizade inseparável entre os dois famosos bandidos que, foragidos, viriam a morrer, juntos, em 1915, na Bolívia, Goldman foi atrás de quem comprasse a sua idéia. E compraram. De tão boa. Ao projeto de Goldman juntaram-se dois monstros, Paul Newman e Robert Redford, a bela e também memorável Katharine Ross, a habilíssima direção de George Roy Hill, a plasticidade fotográfica de Conrad L. Hall, e a pungente trilha sonora de Burt Bacharach, e deu no que deu. Mais um belíssimo filme para a nossa prateleira pessoal.

O filme se constrói, e se fortalece, a partir de um jogo narrativo sedutor. A perseguição implacável, tensa e silenciosa a Butch e Sundance. É o pulo do gato do premiado roteiro. Centrar a tensão da narrativa não nos assaltos aos trens da Union Pacific, mas no limite da tolerância do Estado em permitir que a ousadia de Robert Leroy Park, nome real de Butch Cassady, e de Harry Alonzo Longabaugh, nome real de Sundance Kid, causasse tanto estrago aos cofres das ferrovias. Estressados pela incansável e misteriosa perseguição, é o momento de decidirem fugir para a Bolívia.

Mas antes da fuga, vamos à cereja do bolo. Raindrops Keep Fallin’ on my Head, de Burt Bacharach, a trilha sonora que glamouriza a cena da bicicleta. Dentro de um contexto de faroeste, de lutas e coldres, honra e perseguições, o filme recebe pinceladas de sensibilidade e humor, e esta observação nos faz remeter a mais icônica das cenas do filme.

Butch Cassidy (ou Paul Newman?) convida Etta Place (a Katharine Ross), namorada de Sundance Kid, recém saída da cama, ainda vestindo camisola, para andar de bicicleta com ele, numa manhã ensolarada, em meio a vacas e celeiros, ao som e ritmo de Raindrops, num romantismo que apenas se sugere, mas cuja sensualidade latente se transforma numa possibilidade. O que significa andar de bicicleta a dois, comendo maçã? Oferecida por ela? Adão e Eva deviam assistir a esta cena para aprenderem a comer maçã sem culpa.

Sem comparações, óbvio, mas como não lembrar da famosa cena de A Doce Vida, de Federico Fellini, em que Anita Ekbert e Marcello Mastroianni protagonizam uma inconfundível cena de amor nas águas da Fontana di Trevi! São cenas distintas, bem distintas, aliás, mas duas cenas que podem fazer qualquer um fantasiar uma vida cujo significado momentâneo nos escapa, mas que está lá, para nos encantar sempre. São nestes momentos que a vida foge ao óbvio e nos surpreende. Porque são momentos genuinamente reais. Ao alcance dos nossos sonhos.

Em suma. Como acontece com alguns memoráveis faroestes, gênero visto como aparentemente menor, lembrando um deles, o sensível Os Brutos também Amam, Butch Cassady and The Sundance Kid tornou-se um clássico porque nos oferece perspectivas humanas que vão além dos tiros e do trotar dos cavalos. Parece inverdade, mas passamos a ser simpatizantes de bandidos, sem perceber que o que nos atrai não são os crimes e sim suas atitudes espontâneas e corajosas perante a vida. É como se, ao serem bandidos, apenas saíram para trabalhar. Quando retornam para casa, à noite, são seres normais, passíveis de serem amados e admirados. Este é o segredo dos grandes faroestes que nossos pais e avós tanto curtiram. E que agora pode ser a nossa vez.

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Por Alex Ribeiro

Naquela noite, menina,
Teus lábios não eram tão vermelhos
Teus olhos não tinham a malícia
Desse teu jeito que traduz o desejo

A tua boca tinha o beijo tímido
Que você guardou em segredo
Até que a hora certa, sem medo
Chegasse pra mim, teu poeta sonhador

Você brincava com meus óculos
Meus olhos só podiam ser teus
Enquanto cantava uma canção do Renato
Tornava-me um bom rapaz, teu enamorado

E tu foste embora sem muito dizer
Eu fiquei a tua espera sem saber
Se eu poderia te escrever este verso
E mergulhar-me na tua existência

Roçar-me, então, na tua pele arrepiada
Sentir o teu suspiro entregue aos desejos
Num tempo que parou para nos ver
Dois amantes que precisam anoitecer.

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Por Alex Ribeiro

A peça Campeões do Mundo, de Dias Gomes, foi escrita em 1980. Esse grande autor brasileiro se abasteceu dos inúmeros acontecimentos que foram notícias durante a Ditadura Militar, no Brasil, inserindo seus personagens fictícios nos acontecimentos político-históricos ocorridos até aquele momento.

Riba e Tânia são dois ex-guerrilheiros que, após a Lei da anistia, voltam a se encontrar. Nesse encontro, começam a relembrar tudo o que se passou com eles antes que Riba fosse exilado. Eles foram responsáveis pelo sequestro do embaixador americano, juntamente com outros dois companheiros, que foram assassinados, Carlão e Velho.

O sequestro do embaixador era um ataque político. Exigiram, em troca da soltura do mesmo, a leitura de um manifesto em horário nobre, na TV, e a libertação de 40 presos políticos. Conseguiram o queriam, no mesmo dia em que o Brasil se sagrava tricampeão mundial de futebol.

Agora, em 1979, os dois personagens sobreviventes se questionam se o que fizeram foi o certo e concluem que não fariam novamente a mesma coisa. Apesar da boa intenção, viram que a ideologia pode ser perigosa se tomada como religião.

A tensão política que permanece no texto desde as primeiras cenas traz a sensação forte de fragilidade política em que nosso país sempre esteve mergulhado. É como se a peça se passasse nos dias hoje, com uma roupagem dos anos 70. E fica aí a pergunta. Daqui a 15 anos, como olharemos para o atual cenário político e social brasileiro?

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