Um mestre acima de tudo
Por Leivison Silva
Painted Faces (120’), Hong Kong (1988), é um filme dirigido por Alex Law, um dos mais representativos cineastas da geração dos anos 1980 do cinema honconguês. Painted Faces chegou a ser selecionado para concorrer por Hong Kong, que à época ainda pertencia ao Reino Unido, ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1988, mas sua candidatura não foi aceita pela Academia. Apesar disso, o filme foi bastante premiado nos principais festivais de cinema da China, naquele ano.
A narrativa se inicia em 1962, quando Li Yuk-lan (Mary Li) deixa seu filho Chan Kong (interpretado por Siu Ming-fiu, quando criança, e por Cheung Man-lung, na fase adolescente) na escola do mestre Yu (Sammo Hung). O mestre Yu era um rígido e um tanto quanto frustrado professor de teatro que dirige uma das principais escolas de Ópera de Pequim existentes em Hong Kong. Ele trata seus alunos com extrema severidade, chegando mesmo a ser agressivo e violento quando contrariado ou desobedecido. Na segunda fase do filme, Yu conhece a mestra Cheng (Cheng Pei-pei), a bela professora de uma escola de Ópera de Pequim para meninas, com quem irá fazer uma parceria numa apresentação no porto de Hong Kong. Yu se apaixona por Cheng e é correspondido por ela, mas seu caráter empedernido faz com que ele sufoque seu sentimento.
À medida que o filme vai avançando cronologicamente, vai ficando cada vez mais difícil, tanto para Yu quanto para Cheng, manter uma escola de Ópera de Pequim em Hong Kong. A invasão da cultura ocidental faz com que o público, agora ocidentalizado, vá perdendo o interesse por espetáculos da tradicional ópera chinesa. Cheng decide fechar sua escola, possibilitando a que suas alunas mudem de ramo, ou voltem para a escola formal. Em seguida, Cheng convida Yu a ir com ela para Nova York. Yu recusa, preferindo terminar a formação de seus alunos – é preciso dez anos para se formar um ator de Ópera de Pequim.
Yu insiste em manter seus espetáculos até chegar ao ponto do insustentável, quando então se vê obrigado a vender sua escola por falta de público. Yu parte para os Estados Unidos, para se encontrar com Cheng. Para não deixar os alunos desamparados, o irmão de Yu, Wah (Lam Ching-ying), que trabalha como dublê de filmes na nascente indústria cinematográfica de Hong Kong, consegue com que o estúdio onde ele trabalha contrate os alunos de Yu.
Painted Faces é uma biografia dramatizada de Yu Jim-yuen (1905-1997). Na vida real, Yu foi mestre de Jackie Chan e de outros atores chineses que se destacaram no cenário internacional, a partir da década de 1980. Jackie Chan é de certa forma representado no filme pelo aluno Chan Kong, chamado pelos colegas de Narigão. Além da história do mestre Yu, o filme mostra, com alguma sensibilidade, o cotidiano do crescimento e amadurecimento dos alunos, bem como as dúvidas, medos e descobertas amorosas e sexuais desses garotos ao chegarem à adolescência, embora não aprofunde estas questões.
A fotografia de Painted Faces é bonita e luminosa, com um belo efeito de nostalgia. Os cenários, a maquiagem exuberante e os belíssimos figurinos da Ópera de Pequim são um espetáculo à parte, de encher os olhos. Dentre as atuações, a que mais se destaca é a de Sammo Hung, que deu humanidade ao severo mestre Yu, numa atuação cheia de nuances, o que evidenciou as várias camadas do personagem. Os atores-mirim e os atores adolescentes que fazem os alunos nas duas fases do filme têm um trabalho de corpo impecável.
Painted Faces é um filme curioso, um mergulho na tradição teatral chinesa. É bastante interessante para um espectador ocidental entrar em contato com o universo da classe artística chinesa, em especial num período tão conturbado quanto foi o da Revolução Cultural (1966-1976), promovida pelo governo de Mao Tsé-Tung, época essa em que se passa a história do filme. E é também uma oportunidade para constatar a força e a determinação da milenar cultura chinesa em sobreviver à invasão cultural do Ocidente.
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