Pedreira das Almas

Por Alex Ribeiro

Pedreira das Almas é uma das peças mais importantes de Jorge Andrade que, ao lado de A Moratória e Veredas da Salvação, forma uma trilogia que esboça, sem compromisso histórico, o quadro social e político brasileiro de diversos períodos da nossa breve história. Jorge Andrade explora, com mãos firmes, os laços e lutas que foram constituindo o arquétipo do povo brasileiro e que, até os dias de hoje, influencia o nosso modo de ser nos solos dessa pátria mãe nada gentil. Essa forte característica dos seus textos fez com que nosso dramaturgo despontasse na dramaturgia paulista e, também, na dramaturgia nacional, fazendo-o manter-se em atividade até a década de 1980. O teatro paulista daquele tempo passava a ganhar as primeiras formas de um teatro socialmente crítico, e os dramaturgos que ali começavam a se projetar, dentre eles Jorge Andrade, tinham um compromisso sério, talvez mais com o teatro do que com o país, de dar pinceladas de cores dramáticas ao nosso quadro social. Pedreira das Almas, então, através da sua protagonista Mariana, vem dar voz à dor do povo brasileiro, que quer gritar, mas que se vê silenciado sempre que a esperança de se fazer ouvido lhe é oferecida.

Mariana é a protagonista de Pedreira das Almas, e é em torno dela que os conflitos vão dando forma à dramaturgia angustiante da peça. Seu namorado, Gabriel, é um dos idealizadores da revolta que se levanta contra o imperador do Brasil. Ao lado de Gabriel, nas lutas da revolução, caminha o irmão de Mariana, o jovem Martiniano. Assim como muitos moradores da pequena cidade de Pedreira das Almas, Martiniano está disposto a fazer qualquer coisa para atingir os objetivos traçados por Gabriel, objetivos estes vendidos como única forma de salvar a todos das injustiças do império. Também Mariana se vê encantada com as possibilidades que a revolução pode trazer para o povo, e sua paixão por Gabriel faz com que ela ajude o irmão a se juntar aos revoltosos, e o faz sem que sua mãe fique sabendo. Urbana, a mãe, não concorda com a revolução e as ideias vendidas por Gabriel, e faz forte oposição a ele. Mariana é quem tenta conciliar todos esses conflitos e consegue, mesmo que por pouco tempo.

A situação com a qual Mariana não contava era com a volta de Gabriel, sem a companhia de Martiniano, o que gera uma grande tensão entre ela e Urbana. Em meio às trocas de afetos entre Gabriel e Mariana, e as preocupações de Urbana, o exército chega à pequena cidade, à procura de Gabriel. A cidade toda se compromete em manter Gabriel protegido, mas Urbana se coloca disposta a falar. E o motivo não poderia ser mais complicado. Seu filho foi capturado. E a única forma de ser solto é entregar o esconderijo de Gabriel. Esse é o momento de maior ansiedade de Mariana. Sua mãe seria capaz de entregar Gabriel? Se Gabriel não for encontrado, o que acontecerá a Martiniano? Urbana não entrega o esconderijo, mas uma sequência de tragédias acontece e Mariana perde o irmão, e depois a mãe. O exército parte, a revolução ganha força e o povo de Pedreira, guiado por Gabriel, vai em busca de novas terras. Mas Mariana tem que ficar, a amargura do luto invadira seus olhos, sua carne e seus ossos. Não há mais entusiasmo no amor e muito menos na revolução. Só restou a dor.

Pedreira das Almas mostra, com fundo político, a dor do luto e como isso pode alterar consideravelmente os rumos da vida de qualquer pessoa, por mais que ela seja apaixonada pelas suas ideias. Assim foi com Mariana. Abriu mão dos ideais que construiu ao lado do seu namorado porque o preço que lhe foi cobrado foi muito alto. Talvez, muitos brasileiros, dos tempos do império, e de agora, tenham sentido tamanhas dores que preferiram desistir de lutar pelas coisas que lhes são importantes enquanto nação. Mas, mesmo sendo empático com essa dor, Jorge Andrade mostra que a mão de quem tem o poder pode ser injusta e violenta, e que se nos calarmos, não teremos menos dores. Continuaremos a sofrer, só que dessa vez, calados. Qual será então nossa escolha? O grito de amargura ou o silencioso sofrimento? Gritar, caro leitor, é estar vivo.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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