A ameaça da memória
Por Leivison Silva
Rebecca, A Mulher Inesquecível (130’), EUA (1940), é o primeiro filme dirigido por Alfred Hitchcock (1899-1980) em Hollywood. Estrelado pelo grande ator inglês Laurence Olivier (1907-1989) e pela atriz Joan Fontaine (1917-2013), o enredo de Rebecca, A Mulher Inesquecível foi baseado no livro homônimo de Daphne Du Maurier (1907-1989), romance esse que, especula-se, seria um plágio do romance “A Sucessora”, da escritora brasileira Carolina Nabuco (1890-1981), publicado quatro anos antes da versão de Daphne. Polêmicas à parte, a estreia de Hitchcock nos Estados Unidos não poderia ter sido melhor. O cineasta, que já tinha uma carreira bem-sucedida e consolidada na Inglaterra, sua terra natal, conseguiu criar um thriller psicológico irresistível. Rebecca, A Mulher Inesquecível fez bastante sucesso na época de seu lançamento, ganhando, inclusive, o Oscar de Melhor Filme daquele ano, sendo, assim, o único filme do Mestre do Suspense a ser premiado nessa categoria.
A personagem de Joan Fontaine, cujo nome, curiosamente, não é falado em nenhum momento do filme, trabalha como dama de companhia da senhora Van Hopper (Florence Bates), quando conhece, em Monte Carlo, o ricaço George Fortescue Maximilian De Winter (Laurence Olivier). Os dois passam a sair juntos e se aproximam, até que Maxim pede a moça em casamento. Casados, eles vão para Manderley, a suntuosa casa de campo de Maxim. Chegando a Manderley, a nova senhora De Winter é recebida com relutância pelos criados, em especial pela Sra. Danvers (Judith Anderson), a rígida governanta da casa, que idolatra a memória de Rebecca, primeira esposa de Maxim, e não aceita que aquela nova mulher, que está chegando, ocupe o lugar de sua amada patroa.
A nova senhora De Winter sente-se intimidada pela governanta, que a coage e enche sua cabeça de dúvidas e temores, fazendo-a se sentir indigna de Maxim. Soma-se a isso a falta de delicadeza de Maxim e, principalmente, a onipresença de Rebecca, com quem é sempre comparada por todos os que conviveram com a morta. Ao longo da ação, a nova senhora De Winter vai descobrindo os segredos pavorosos que as paredes de Manderley guardam, em especial sobre a inesquecível Rebecca. E é justamente quando o cadáver de Rebecca é encontrado, que o filme dá um giro de cento e oitenta graus.
A bela fotografia em preto-e-branco, premiada com o Oscar de Melhor Fotografia de 1940, e os cenários grandiosos, com sombras fantasmagóricas projetadas nas paredes, criam uma atmosfera tensa e opressiva. Mesmo as externas de Manderley têm um ar sombrio. A trilha sonora, composta especialmente para o filme por Franz Waxman (1906-1967), encaixa-se à perfeição nesse mosaico, dando o tom certo para cada cena.
Dentre excelentes atuações, duas se destacam: Joan Fontaine e Judith Anderson. A postura encurvada de Joan Fontaine na primeira metade do filme deixa sua personagem ainda mais vulnerável e frágil, nos dando a impressão de que a personagem está sendo realmente esmagada pela memória de Rebecca. É bem interessante ver a trajetória da personagem, a princípio caminhando tímida e deslocada pelos cenários suntuosos e, aos poucos, mais confiante, madura e assumindo o seu lugar de direito, de legítima senhora De Winter. Já Judith Anderson deu à sua assustadora Sra. Danvers uma frieza calculada na voz, pontuada por oportunos olhares alucinados. A relação doentia de carrasco e vítima entre as duas personagens é um dos pontos altos do filme.
Rebecca, A Mulher Inesquecível é um clássico do Mestre do Suspense, que, com suas reviravoltas surpreendentes, nos mantém ligados na tela até o último segundo. Filme indispensável para todos os amantes da sétima arte.
Clique aqui para conhecer os textos teatrais de Antônio Roberto Gerin.