Senhorita Júlia

Por Alex Ribeiro

Senhorita Júlia é uma peça escrita por August Strindberg, publicada originalmente em 1888. Esta peça é considerada uma das mais importantes dentre as suas obras dramáticas, que chegam ao impressionante número de 60 peças. Strindberg está entre os maiores escritores suecos de todos os tempos. A sua importância é tamanha que é a partir das suas obras, mais precisamente a partir do romance Salão Vermelho, de 1879, que se inicia o período linguístico chamado Sueco Contemporâneo. Foi a partir daí que a língua nacional sueca passou a se impor sobre os dialetos regionais, culminando na sua estabilidade total em 1906, e se consolidando até os dias de hoje. O escritor é reconhecido por ter influenciado fortemente o teatro do final do século XIX e início do século XX. Importantes dramaturgos da história do teatro reconhecem a importância da dramaturgia de Strindberg, dentre eles Tennessee Williams, Máximo Górki, Eugene O’Neill e também o diretor Ingmar Bergman. Essa peça passa a figurar, portanto, entre os clássicos do teatro, um deleite não só para os aficionados do palco, mas também para os amantes da alta literatura.

Júlia é uma jovem aristocrata, filha de um conde, que acabara de romper o noivado. Sobre esse assunto conversavam os outros dois personagens, no início da peça, Jean e Kristin, o serviçal e a cozinheira do conde. Eles comentam sobre a conduta atípica da patroa, levando em consideração o que se espera de uma mulher solteira. Jean relata ter visto como aconteceu o rompimento entre o casal de noivos, julgando inadequado o comportamento da patroa. Essa forte moral presente nas falas do personagem é o diapasão certo para o início da peça. Caros leitores, segurem-se! Foi dada a largada e os acontecimentos trágicos irão se suceder em intensidade arrebatadora.

Strindberg apresenta primeiro o homem, Jean, submetido a um trabalho que sonha em deixar para trás, por se considerar acima de sua classe social. Desejo esse vindo dos conhecimentos e elegância que adquiriu com o tempo. Depois o dramaturgo nos presenteia com a bela, livre e sedutora Júlia, uma mulher que não se submete aos homens e que não dá importância aos códigos de conduta socialmente impostos. Uma grande mulher que parece encantar tudo o que toca. E é Jean o alvo de seus desejos. Esses dois personagens se envolvem visceralmente, numa sedução que parece arrebatar os românticos de plantão, como em Romeu e Julieta. Eles se digladiam, ou dançam, na melodia suave do amor e nos tons dramáticos de uma guerra de poder. É o contraponto. A mulher rica que não quer se submeter ao homem, e o pobre, porém homem, que não quer se submeter à patroa. Classes sociais se rasgam diante da luta de gêneros, da guerra dos sexos. Strindberg não vai perdoar. Ele retrata bem o que acontecia lá, em 1888, e ainda acontece, quando as mulheres se atrevem a buscar a igualdade com o homem. Nossa Júlia é tragicamente punida.

Há quem diga que Strindberg não permitia que as personagens femininas de suas peças se rebelassem contra os homens, a não ser que ele quisesse retratar, no seu entender, a natureza destrutiva das mulheres. É provável que isso se dava em virtude dos conturbados casamentos que o autor teve. Muitos acreditam que ele chegou a se tornar misógino. Mas uma grande obra de arte sempre ultrapassa as questões humanas de seu artista criador, e hoje a peça se revela no sentido oposto ao que se dizia sobre Strindberg. Ela reflete como somos enquanto sociedade, enquanto homens, mesmo que já se tenham passado 130 anos. O teatro, caro leitor, é espelho.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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