A Cor Púrpura

A fênix negra

Por Leivison Silva

A Cor Púrpura (154’), EUA (1985), é o primeiro drama dirigido pelo aclamado cineasta Steven Spielberg. Baseado no romance homônimo da escritora estadunidense Alice Walker, que ganhou o Prêmio Pulitzer em 1983 por essa obra, A Cor Púrpura é um clássico moderno que arrebatou plateias mundo afora quando de seu lançamento, em 1985. O filme foi indicado a onze categorias do Oscar naquele ano, incluindo Melhor Filme. Apesar de não ter levado nenhuma estatueta, o filme consagrou e revelou para o grande público o talento da atriz Whoopi Goldberg, que viria a ganhar o Globo de Ouro de Melhor Atriz na categoria Drama por seu papel em A Cor Púrpura.

O filme conta a saga de Celie, vivenciada pela atriz Desreta Jackson, na fase adolescente, e por Whoopi Goldberg, na fase adulta. A história se passa no estado da Geórgia, no sul dos Estados Unidos, e começa em 1909, quando Celie é violentada por seu pai, Harris (Leonard Jackson), e acaba engravidando. Celie dá à luz um casal de gêmeos, mas, logo após o complicado parto, é separada de seus filhos, que são entregues por seu pai para um casal de missionários. Logo em seguida, Celie é separada também de sua irmã, Nettie (Akosua Busia), a pessoa a quem mais ama no mundo. Harris entrega Celie para Albert Johnson (Danny Glover), um viúvo com muitos filhos. Homem violento e machista, Albert passa a abusar de Celie, psicológica e sexualmente, além de agredi-la fisicamente e destruir sua já combalida autoestima. Algum tempo depois, Nettie foge do pai abusivo e vem se esconder na fazenda onde Celie mora com o marido. No período em que fica na fazenda, Nettie ensina Celie a ler e a escrever. No entanto, a alegria das irmãs dura pouco. Albert começa a assediar Nettie, mas tendo suas tentativas frustradas, expulsa-a da fazenda, numa das cenas mais fortes e emocionantes do filme. Antes de ir embora, Nettie pede que Celie escreva sempre para ela.

Os anos se passam e Celie se torna uma mulher cada vez mais calada e solitária, esperando a resposta de suas cartas, resposta essa que nunca chega. O filho mais velho de Albert, Harpo (Willard Pugh), casa-se com Sophia (Oprah Winfrey), uma mulher forte e impetuosa, que não se deixa subjugar pelo marido, machista como o pai. A força de Sophia choca Celie que, de tão acostumada com os abusos, sugere que Harpo bata na mulher. Revoltada, tanto com Harpo quanto com Celie, Sophia vai embora, levando consigo os filhos, mas não sem antes aconselhar Celie a não aceitar calada os abusos de Albert, e até mesmo matá-lo, se fosse preciso.

Como se não bastassem as agressões verbais e físicas, Albert traz para casa Shug Avery (Margaret Avery), uma cantora de blues, amante sua. Shug está doente e Celie, admirada com a personalidade forte de Shug, que enfrenta Albert de igual para igual, toma para si a missão de cuidar da cantora. Shug se afeiçoa a Celie, chegando mesmo a compor uma música em sua homenagem. Quando Shug fala em ir embora, Celie pede que ela fique, pois no período em que a cantora esteve lá, Albert não bateu nela. Apesar de gostar de Celie, Shug vai embora para Memphis, de onde retorna alguns anos depois com seu novo marido, Grady (Bennet Guillory). Shug entrega a Celie uma carta de Nettie, que estava na África, trabalhando para o casal de missionários que adotara os filhos de Celie. É quando a protagonista descobre que Albert havia escondido todas as cartas que Nettie lhe enviara ao longo dos anos. Alguns dias depois, numa reunião familiar, Celie enfrenta Albert na frente de todos e o amaldiçoa. Em seguida, vai embora com Shug e Grady, que a ajudam a trazer seus filhos e Nettie da África, reencontro esse que rende outra cena emocionante.

Um filme forte, impactante e comovente que, ao mesmo tempo em que conta a bela história de autoconhecimento e superação de Celie, retrata, sem eufemismos, a desigualdade entre os gêneros e a segregação racial nos Estados Unidos da primeira metade do século XX. Ainda que a história de A Cor Púrpura esteja situada em um determinado tempo-espaço, o filme aborda questões bastante atuais, como racismo, machismo e violência doméstica.

Embora tenhamos incríveis atuações masculinas, como Danny Glover e seu desprezível Albert Johnson, a força de A Cor Púrpura está, sem dúvida, em seu afiado elenco feminino. As atrizes, cada uma a sua maneira, se esmeraram na construção de personagens marcantes e carismáticas. Destaque para Whoopi Goldberg, que expressa sutilmente, através de olhares e sorrisos tímidos, as mudanças sofridas por Celie ao longo da narrativa, passando de uma mulher sofrida e reprimida para uma pessoa decidida e confiante em si mesma.

Neste começo de século XXI, vemos renascer algumas cabeças da hidra do racismo, do machismo, da misoginia e do ódio contra o diferente. Dá-nos a impressão de que o veneno da hidra é menos mortífero e suas goelas são menos devoradoras do que tem sido ao longo do tempo. Mas, não nos enganemos, caro leitor. Por mais que tais violências hoje sejam menos ostensivas do que costumavam ser, é preciso, sim, falar a respeito, debater, refletir, até que elas não mais existam. Para isso, temos filmes como A Cor Púrpura, que cumpre brilhantemente sua missão de colocar em pauta assuntos da mais absoluta importância para a construção de uma sociedade mais justa e mais igualitária. Não temos outra alternativa. Acreditar é preciso.

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Autor: Leivison Silva

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto. Cantor lírico formado no Curso Básico de Canto Erudito da Escola de Música de Brasília, com realização de trabalhos no teatro, no cinema e na música. Iniciado na arte da palhaçaria – seu palhaço chama-se Josephyno.

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