A Loucura de Hércules

Por Alex Ribeiro

A Loucura de Hércules, ou Hércules Furioso, é uma tragédia escrita pelo filósofo romano Sêneca. Mesmo sendo difícil estabelecer uma cronologia das tragédias de Sêneca, pela carência de informações a esse respeito, o Hércules é quem mais se aproxima de uma data provável, o ano de 54 d.C. A influência das tragédias gregas sobre as tragédias romanas é nítida e imediata. Várias das tragédias que resistiram ao tempo têm nomes homônimos tanto na Grécia Clássica, quanto no Império Romano. O próprio Hércules Furioso é o nome de uma das tragédias de Eurípedes, grande tragediógrafo grego. Porém, tal associação, da influência grega sobre a tragédia senequiana, torna-se perigosa na tentação de comparar as obras e, equivocadamente, dizer que em Roma foi criada apenas uma cópia do modelo grego. Em Roma, houve outras influências de peças e obras poéticas de outros escritores que não os gregos, além da filosofia e pensamento político do próprio Sêneca, sobretudo em suas tragédias. No Hércules, Sêneca trabalha com a ideia de poder e tirania, tentando colocar uma espécie de ensinamento dentro da composição da tragédia. O que seria esperado, quando pensamos que havia uma distância de 5 séculos entre Sêneca e Eurípedes, além de o Império Romano ter dimensões colossais, se comparado às cidades-estados da Grécia. A conclusão a que se chega é a de que a tragédia senequiana era muito mais que mera tradução. Era uma interpretação e adaptação a um novo tempo e público, em um dos maiores impérios da nossa história.

A tragédia começa com Juno, esposa de Júpiter, amaldiçoando as amantes do seu esposo e Deus, e também a prole de bastardos que com elas ele teve. Mas deixa pro final aquele que ela mais odeia, Hércules. Para ela, nem mesmo os deuses podem enfrentar sua força e, desse modo, ele poderia invadir o Olimpo e passar a viver ali, entre os deuses. Essa possibilidade desperta nela uma ira implacável. Eis que então ela amaldiçoa Hércules. Só ele mesmo pode se destruir. Que fique louco.

Mégara, esposa de Hércules, e Anfitrião, pai terreno do herói, estão à beira do palácio de Tebas, onde choram a ausência do grande herói, cumpridor dos doze trabalhos e outros tantos feitos, que se ausenta de sua terra. Os dois, através de longos discursos, descrevem a grandeza de Hércules. Nessa saudosa conversa, aparece o então rei de Tebas, Lico, aquele que assassinara o pai de Mégara para lhe usurpar o trono. Ele pretende se unir a Mégara para legitimar o seu reinado, já que ela é da família real. Mas ela se nega e Lico se afasta, prometendo vingança.

Eis que chega, voltando do Inferno, e ao lado de Teseu, Hércules. Nosso herói está feliz por voltar à sua terra e família laureado pelo êxito de seus trabalhos. Após ser recebido pela família, descobre o que fizera Lico, e resolve se ausentar novamente para se vingar do tirano. Cumprida a vingança, ele volta aos seus, mas a loucura o acomete e ele assassina seus filhos e esposa, brutalmente. Quando volta a si, dá-se conta da barbaridade que cometera e o sentimento de culpa que o toma é devastador. Quer voltar ao inferno. Quer uma punição para si. Mas Teseu o convence a ir a um tribunal que lhe seja justo. Há uma certa semelhança entre a tragédia de Hércules e a de Ájax, só que o segundo, por estar totalmente desamparado, acaba por se suicidar. Hércules se encerra antes de sabermos o que acontecerá ao herói.

Mesmo tendo Sêneca a preocupação de escrever para o povo do seu tempo, a estrutura da tragédia grega parece ser mesmo o seu pilar trágico. A sensação de catarse que a tragédia desperta está presente ali na sua escrita também. Isso nos faz pensar como que a representação de grandes estórias, que mexem com o nosso mais profundo ser, tem todo espaço para se presentificar no teatro. Nossa forma de comunicação ancestral continua por nos revelar a nós mesmos, seja numa pungente catarse trágica, numa poética dor dramática ou mesmo no incontrolável riso cômico. O teatro nos serve como uma espécie de espelho, donde podemos projetar nossas mais belas e grotescas facetas, enquanto indivíduos, enquanto sociedade. É por isso que o teatro muitas vezes é visto como um inimigo. Numa sociedade ensandecida, em que se assassina os inocentes pensando-se ser um herói, assistir a Hércules Furioso pode ser um perigo. O perigo de reconhecer a si mesmo.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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