O Círculo de giz Caucasiano

O Círculo de Giz Caucasiano

Por Alex Ribeiro

O Círculo de Giz Caucasiano é uma peça de Bertolt Brecht, escrita em 1944, ano este em que ele se encontrava em exílio, nos Estados Unidos da América. Na ocasião, houve um interesse da parte de alguns produtores da Broadway para que a peça estreasse na tão conhecida avenida de Nova York. Porém, o curto tempo exigido para que a montagem fosse ao palco, como é o costume dos espetáculos comerciais que por lá circulam, desagradou a Brecht, que acabou entrando em conflito com a produção e, consequentemente, cancelando o projeto. Mesmo assim, a peça ainda estreou em terras norte-americanas, em Minnesota, naquele mesmo ano. Já na terra natal do seu dramaturgo, O Círculo de Giz Caucasiano teve sua estreia apenas dez anos depois, em 1954, naquela que era a Alemanha Ocidental à época. No Brasil, ela foi montada, pela primeira vez, em 1963. Apesar de ter sido finalizada em 1944, Brecht já trabalhava na ideia de O Círculo de Giz Caucasiano desde o momento em que entrou em contato, em meados de 1920, com uma peça chinesa, de nome O Risco de Giz. Mais tarde, quando se encontrava exilado na Dinamarca, em 1938, ele se detém na carpintaria dramática da sua peça, que anos depois estrearia em Minnesota. A demora para a conclusão da escrita da peça se deu muito pela exigência de Brecht com os dois protagonistas, Azdak e Grucha, de quem vivia a questionar as ações. A peça se passa no Cáucaso, logo após o término da Guerra dos Trinta Anos.

Dois povoados estão em disputa por um pedaço de terra. Galinsk e Luxemburgo travam debate sobre a legítima posse do lugar, que originariamente pertencia aos primeiros e que viriam a abandonar o lugar, em fuga causada pela guerra. Encontrando a terra abandonada, o povoado de Luxemburgo a ocupa e nela trabalha, trazendo melhorias ao local. Ao fim da guerra, os Galinsk voltam à sua terra e encontram-na ocupada. Precisam, agora, decidir a quem pertence a terra. A forma encontrada, após muito debate e nenhuma solução, se dá por um recitante. É quando vão começar a encenar uma antiga peça passada nas tão distantes terras chinesas, durante uma terrível guerra. É a arte mostrando sua força! O teatro dentro do teatro!

E assim se dá a peça. Tendo sido o governador morto em ataques à sua casa, durante a guerra, não restou à sua família senão fugir às pressas. Em meio ao desespero da fuga, pensando em salvar a própria vida, a mulher do governador abandona o filho, colocando-o em risco de vir a ser assassinado pelos inimigos. Mas eis que Grucha, uma das empregadas do governador, salva a criança, e a leva consigo para um abrigo, onde vai criando o menino como se seu filho fosse. Grucha passa por inúmeros obstáculos e perseguições na sua luta para salvar o menino. Ela abre mão de esperar pelo noivo que partira para a guerra, desfazendo, assim, todos os seus planos de vida, até o momento. Porém, terminada a guerra, a mãe de sangue, que havia abandonado o pequeno Miguel, quer o filho de volta e, consequentemente, tirá-lo dos cuidados de Grucha. Caberá à justiça decidir.

Azdak, um juiz um tanto incomum, é quem vai decidir o futuro da criança. Ele, que a princípio parece um tolo, ou mesmo um beberrão irresponsável, está exercendo o cargo de magistrado de um modo um tanto diferente do habitual. Ao que se parece, nosso juiz é um idealista frustrado, um homem que perdera a fé na sua capacidade de realizar algum tipo de mudança no mundo. E eis que, ao julgar o pedido da mãe de sangue, faz uma proposta inusitada. O pequeno Miguel é colocado dentro de um círculo de giz traçado no chão. Cada mãe, a de sangue e a de criação, terá de puxar o menino por um dos braços, e aquela que conseguir tirar o menino do círculo, trazendo-o para junto de si, ficará com ele. Nessas circunstâncias, temendo que o menino ficasse ferido, Grucha desiste de puxá-lo. E eis que o juiz se mostra sábio, ao contrário do que imaginavam seus convivas. Azdak não dá a vitória a quem venceu, mas a quem de fato a conquistou, através do amor ao menino. Após o desfecho do julgamento de Azdak, a peça parece trazer a reflexão necessária aos dois povoados, Luxemburgo e Galinsk, que requeriam a terra como sendo sua. Qual o resultado da reflexão, não se sabe, já que o texto se encerra antes que nos seja revelado.

Brecht, como todos sabem, tinha como um de seus objetivos fazer com que seu teatro reverberasse no público, levando-o a questionar as configurações sociais e políticas vigentes tanto na sua Alemanha como em todo o mundo. Estando a Segunda Guerra perto do fim, Brecht vê a necessidade de colocar no palco um espetáculo que trouxesse reflexões sobre aquele momento. Porém, uma das suas preocupações na criação do texto foi o cuidado para que a obra não viesse justificar os malfeitos da guerra, que ele pretendia, na verdade, expor. Esta preocupação de Brecht também pode ser encontrada nos artistas de hoje, sobretudo no Brasil. Como fazer uma arte que reflita sobre nosso tempo, sem que ela seja mal compreendida, tomada como uma corroboração às mazelas a que estamos submetidos? De certa forma, o que vivemos no país hoje, o desmantelamento total da democracia, requer que partamos para a ação e criação. Não há espaço para hesitar. De repente, nos vemos como Gruchas desesperadas por salvar nossa tão jovem democracia. E Azdak? Teremos nós um sábio juiz que nos trará a justiça? Se temos, com certeza não está sob a luz dos holofotes.

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Autor: Alex Ribeiro

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto, psicólogo, poeta.

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