Os Sete Gatinhos

Por Leivison Silva

Os Sete Gatinhos é uma peça em três atos, escrita em 1958 por Nelson Rodrigues (1912-1980), e foi definida pelo próprio autor como uma “divina comédia em três atos e quatro quadros”. Ela está classificada no grupo das chamadas “Tragédias Cariocas” do dramaturgo. A primeira montagem de Os Sete Gatinhos aconteceu no ano de sua escrita, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, e teve direção de Willy Keller (1900-1979).

Seu Noronha, um contínuo da Câmara dos Deputados, sua esposa Aracy, mais conhecida como Gorda, e as quatro filhas mais velhas do casal, Aurora, Débora, Arlete e Hilda, todas prostitutas, se empenham para juntar dinheiro para o enxoval da filha caçula, Silene, que estuda num colégio interno e é vista como a salvação moral da família, já que é a única que irá se casar virgem e na igreja. Mas as coisas não saem como planejado. Silene é trazida de volta para casa por um funcionário do colégio, doutor Portela, que revela a Seu Noronha que Silene matou a pauladas uma gata prenha. Apesar de morta, a gata deu à luz a sete gatinhos. Silene havia feito isso porque ela mesma também estava grávida e sentia-se culpada por isso, descontando na gata a raiva que tinha de si mesma por ter perdido a virgindade. O pai do bebê de Silene é o mais improvável dos pais, Bibelot, namorado de sua irmã Aurora.

Em Os Sete Gatinhos, Nelson constrói um texto aparentemente cômico e superficial. Mas não é. Pelo contrário. Ele vem cheio de contradições simbólicas. Nelson Rodrigues retira as máscaras sociais e joga sal sobre as feridas morais da sociedade, revelando que as relações humanas estão muito presas às aparências. Com bom humor, Nelson critica o falso moralismo e mostra que, por mais que o ser humano tente podar seus instintos por meio de regras e normas criadas por ele mesmo, mais cedo ou mais tarde acabará sucumbindo aos seus desejos.

Brilhantemente, Nelson conduz o leitor a um submundo onde o ser humano é mostrado com toda sua crueza e podridão. As relações familiares em Os Sete Gatinhos perpassam pela religiosidade e superstições cultuadas por Seu Noronha e que são repassadas, de forma opressiva, para toda a família, gerando frustrações e revoltas na esposa e nas filhas mais velhas. Silene, a mais nova, é a construção moral idealizada por ele, Seu Noronha, e imposta a toda a família. Portanto, Seu Noronha impõe à família o sonho que é seu, o de transformar Silene numa mulher moralmente aceita pela sociedade. É o sonho de levá-la virgem para o altar.

Sessenta anos após a publicação de Os Sete Gatinhos, vemos comportamentos que se revestem de um verniz moralista que pretende ser o padrão de conduta do cidadão de bem, mas que não passa de um discurso que não tem sustentação nas práticas diárias que se manifestam portas adentro de lares que bem podiam ser habitados pelo nosso querido Seu Noronha.

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Autor: Leivison Silva

Ator da Cia de Teatro Assisto Porque Gosto. Cantor lírico formado no Curso Básico de Canto Erudito da Escola de Música de Brasília, com realização de trabalhos no teatro, no cinema e na música. Iniciado na arte da palhaçaria – seu palhaço chama-se Josephyno.

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