Trajeto

Por Geraldo Lima

Esperou por ela ali no quarto.

Esperou que ela entrasse e fosse direto para o banheiro, como era de costume. Ah, sempre com a bexiga cheia, prestes a estourar. Ouviu o baque da porta sendo fechada e em seguida o jato do xixi batendo na água do vaso sanitário. O barulho da descarga, da porta sendo aberta e, por fim, o som de passos vindo em direção ao quarto.

Esperou sentado na borda da cama. Mas a espera tornava-se mais longa do que ele desejava. Os passos pareciam fazer um trajeto enorme, como se de repente a casa tivesse triplicado de tamanho. Para aumentar-lhe a ansiedade, ela fez um pequeno desvio e passou primeiro pela cozinha. Havia se esquecido de que, vez ou outra, ela chegava faminta. Cansada e faminta. Esperou sentado na borda da cama e com o envelope pardo numa das mãos. Ela iria perceber, tão logo passasse pelo vão da porta, que o rosto dele não trazia aquela serenidade de sempre, o sorriso e a alegria por vê-la chegar em casa depois do trabalho. O quadro era outro, turvo e sombrio.

Esperou sentado na borda da cama até os passos começarem a ressoar como se já estivessem dentro do quarto. O coração deu um salto grande e sufocante, obrigando-o a se pôr de pé. No envelope pardo, as mãos deixavam marcas de suor e nervosismo.

Esperou sentado na borda da cama até aquele instante, em que ela adentrou o quarto com o rosto banhado em luz e graça. Ela vinha de uma outra alegria que não podia se conter, mas, ao deparar-se com a imagem corrompida pela dor e exposta com tanta nitidez, acusou o baque, – o rosto desbotou-se e ela entendeu logo a razão daquele envelope brandido com fúria diante dos seus olhos.

Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista.

Autor: Geraldo Lima

Geraldo Lima é escritor, dramaturgo e roteirista. Autor de Uma mulher à beira do caminho [contos] e UM [romance].

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